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Papo Esportivo | E aí, Mano?

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E aí, Mano? Vale vencer a qualquer custo? Vale mesmo a pena seguir com essa postura? - Reprodução
a cultura da vitória a qualquer custo está acabando com todo a magia do velho e rude esporte bretão

Eu devo confessar a vocês que eu não aguento mais vir aqui no Brasil de Fato escrever sobre tudo, menos campo e bola. Mas a caminhada ainda é longa e defender o óbvio (apesar de ser uma das tarefas mais cansativas do mundo) ainda é extremamente necessário. Sim, são tempos estranhos.

A vitória do Flamengo por 4 a 3 sobre o Bahia neste domingo (20) esteve recheada de polêmicas. A principal delas aconteceu com o volante Gerson. O camisa 8 do Mengão acusou o meia colombiano Ramírez de racismo. Em entrevista concedida após a partida, o jogador do Fla afirmou ter ouvido a frase “Cala a boca, negro” do jogador do Tricolor de Aço.

O caso em si já seria suficiente para fazer o sangue ferver, mas o que dizer da atitude do agora ex-técnico do Bahia, Mano Menezes? As câmeras captaram o áudio da discussão com Gerson sobre a atitude de Ramírez e a reação do treinador, que teria insinuado que a reclamação do jogador do Flamengo seria “malandragem”.

- Me chamou de negro! - disse Gerson.

- Agora virou malandragem! - respondeu Mano Menezes.

- Malandragem? Malandragem, não! Pergunta pra ele se não falou! Você me respeita! - retrucou Gerson.

- Rogério... Não vai expulsar ele? Está mandando tomar no **. Foi na cara do juiz que mandou tomar no **. Se aconteceu... Se estamos errados, estamos errados. A gente não quer estar certo estando errado. Mas aquele menino não iria fazer isso com o Gerson. Eu conheço o jogador, chegou agora, é um guri! - afirmou Mano.

- Quanto tempo parou o jogo? Quanto tempo parou o jogo agora por causa do Gerson? Tem que tomar bico do Daniel mesmo. Tem que tomar bico do Daniel, que é mais malandro que tu. Ele quer mandar em todo mundo... Quer mandar no jogo! - completou Mano Menezes.

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Mano Menezes ainda tentou se explicar na entrevista coletiva após a partida contra o Flamengo. O treinador fez questão de afirmar que nenhum membro da sua comissão apoiaria uma atitude como a de Ramírez e defendeu a apuração do caso.

- Primeiro, este é um assunto extremamente sério, que envolve o mundo e, consequentemente, o Brasil também. Nós não temos nenhum relato, não temos uma imagem, não temos o fato de Ramírez falando para Gerson qualquer coisa deste tipo. Então, quando não temos, logicamente ficamos do lado do nosso jogador. O que pareceu para a gente naquela hora foi que tínhamos crescido no jogo, tínhamos feito 2 a 1, e que estava havendo uma tentativa de paralisar o jogo, tumultuar, tirar um jogador nosso também por um cartão vermelho para igualar as coisas. Mas Gerson é um jogador extremamente sério, merece respeito. E o clube vai fazer um acompanhamento, investigação, do que realmente aconteceu. O Bahia tem um compromisso muito grande com isso. Ninguém da nossa comissão técnica apoiaria nenhum tipo de situação como essa. Então, se acontecer de, depois da conversa com o jogador, de as coisas serem esclarecidas, provavelmente amanhã ou quando o time se reapresentar, não só o tribunal provavelmente vai fazer uma denúncia, mas o Bahia também vai tomar as providências, porque não tem sentido nenhum este tipo de atitude, se é que ela aconteceu. Em relação às discussões de campo, Gerson estava bastante alterado. Xingou todo mundo, e aí houve uma tentativa nossa de defender o nosso, mas sempre dentro da questão do jogo, nada de defender atitude errada. Se a atitude errada aconteceu, não defendo eu e, já pela conversa que tive com o presidente Guilherme (Bellintani), e pela história do Bahia, não vai haver defesa de uma coisa errada, se aconteceu. Só que vamos ver o que exatamente aconteceu.

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Bom, eu preciso dizer que a atitude do treinador foi absolutamente desprezível e asquerosa. Mesmo com toda essa explicação de Mano Menezes na entrevista coletiva. Não somente pelo caso de racismo em si e pela passada monstra de pano no ocorrido dentro de campo. Vale lembrar que logo depois de defender Ramírez, Mano ataca Gerson com o claro objetivo de provocar a expulsão do camisa 8 do Flamengo. Ao afirmar que “ninguém viu” e que “não há provas” da atitude do colombiano, Mano só reforça algo que vemos todos os dias: o pouco caso que nossa sociedade ainda faz de casos de preconceito.

Essa situação também é reveladora. Para cada cidadão negro que denuncia um caso de racismo, sempre vai existir um branco que vai diminuir, desdenhar e culpar a vítima. E quando Mano classifica a denúncia como “malandragem”, ele só reforça todo o estereótipo associado ao negro já há muitos anos. Mas talvez a fala mais emblemática (e deplorável) tenha sido aquela em que Mano Menezes afirma que viu na denúncia de Gerson uma tentativa de paralisar o jogo e de provocar a expulsão de um jogador do Bahia para “igualar as coisas”.

Impossível não notar que o ambiente do futebol se tornou tóxico ao ponto de se achar super razoável um jogador negro simule uma acusação de racismo apenas para obter vantagens dentro de campo.

Isso é simplesmente inacreditável. E ao insinuar que Gerson fez isso deliberadamente, Mano Menezes apenas reforça aquilo que eu e você já sabemos há anos: o futebol é hoje o melhor reflexo da nossa sociedade. Além disso, a cultura da vitória a qualquer custo está acabando com todo a magia do velho e rude esporte bretão.

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Mano Menezes é treinador vitorioso, tem passagens por grandes times do país e também pela Seleção Brasileira. Mas essa atitude é, sem dúvida, algo que vai perseguir o treinador por muito tempo.

Não é o VAR, não é o escanteio curto, não são as chuteiras coloridas e nem os penteados engraçados que estão acabando com o futebol. São as atitudes repetidas todo dia por pessoas como Mano Menezes e também por boa parte da imprensa esportiva. A cultura da vitória a qualquer custo e das passadas de pano em casos de racismo, violência doméstica e crimes ainda mais bárbaros é o que está matando o velho e rude esporte bretão com requintes de crueldade.

E aí, Mano? Vale vencer a qualquer custo? Vale mesmo a pena seguir com essa postura? O que você conseguiu com isso além de inimizades e a repulsa daqueles que ainda têm um pouco de bom senso?

E aí, Mano?

Edição: Rodrigo Chagas