Sabemos todos, que não existe uma chave para trocar de ano e de destino
Sei que estamos no período dos votos, dos desejos, dos bons augúrios. Ainda mais que o ano que está se despedindo soube ser terrível de muitas maneiras. Muito mais terrível do que poderíamos imaginar quando trocamos felicitações no final de 2019, ano ruim que, agora, visto retrospectivamente, passa até por algo quase maravilhoso na comparação com aquilo que o sucedeu.
Já estávamos bem servidos de horrores nos primeiros 365 dias da gestão em curso: desemprego avançando, devastação ambiental, militares disparando 80 tiros contra uma família, ameaças ao estado laico, política externa estapafúrdia, aumento da pobreza, ataques a governantes estrangeiros, matança de jovens e crianças na periferia, o coronel Brilhante Ustra elevado a “herói nacional”, rachadinhas, fazer cocô um dia sim e outro não como receita da boca presidencial para salvar a natureza. Enfim, na palavra do general Santos Cruz: “Um show de besteiras”.
Então, achamos, talvez, que 2020 não poderia ser pior. Quem sabe, pensamos, as instituições vão reagir ao festival de crimes de responsabilidade e o chefe do clã poderá até acabar em cana. Ou, ao menos, ir pescar com o Queiroz e nos deixar com uma desgraça menor. Esperanças vãs.
O ano chegou trazendo, além do fardo transmitido por 2019, a exasperação dos problemas todos já existentes. E uma novidade aterradora. A qual aliou-se, de pronto, o personagem que reina em Brasília. O que significa que, hoje, enfrentamos não uma, mas duas emergências sanitárias.
Fica difícil achar que, à meia-noite de 31 de dezembro, a inspiração dos nossos votos fará de 2021 melhor do que essa joça de 2020. Até porque, sabemos todos, que não existe uma chave para trocar de ano e de destino, chutando a tragédia e pondo a bonança em seu lugar. 2021, como 2020, é uma construção mental dos humanos, coisa a que o tempo implacável e soberano não dá a mínima.
De fato, 2021 prenuncia, nos primeiros meses, uma extensão de 2020 porém com uma diferença fundamental e decisiva: a vacina.
Venha de onde vier é ela que pode nos ajudar a retomar as ruas e converter em realidade concreta os votos de “Feliz Ano Novo”. Para isso, teremos que desmembrar a expressão corriqueira e protocolar para atingir o seu cerne, alterando o que é apenas aspiração e tornando-a algo real e tangível. Será preciso, atentos às circunstâncias e com trabalho e devoção incansáveis, agarrar a felicidade que a frase promete e construir o novo que prenuncia. E aí sim, com alegria e esperança, transformar a vida, livrar-se do traste que envergonha o país e arrancar essa página infeliz da nossa história.
Edição: Camila Maciel