aglomeração

Artigo | Liberação e libertinagem ainda que tardias

Aqui, vende-se a liberdade como liberação do peso regulatório do Estado

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Ele, o “não vou tomar vacina e o problema é meu”, teve vontade e coragem de ver a gente! - Alan Santos / Fotos Públicas

Por Jacqueline Muniz*

 

Aglomerados, juntos e misturados com o Presidente na CEAGESP: comerciantes, funcionários, policiais, militares, políticos. Ufa, Zé Gotinha não foi. E ele ainda continua com elevada intenção de votos? Veja: Ele, o “não vou tomar vacina e o problema é meu”, teve vontade e coragem de ver a gente!

Vende-se a responsabilidade como algo somente individual. Aqui, vende-se a liberdade como liberação do peso regulatório do Estado, da pressão civilizatória da sociedade para ocultar a pilhagem no mercado e o cassino no governo.

Esta liberalidade perversa tem vencido porque é vendida como libertária. Este tem sido o jogo governamental: oferta desmedida de repressão violenta na esquina contra a “bandidagem” e o liberou geral para o “cidadão macho, branco, hétero de bem”. Tiro, porrada e bomba e pagação de moral de cima, de baixo, ao redor e entre nós.

O regime da esculachocracia posto em funcionamento requer o falso gozo do escracho libertário, do chutar o pau da barraca, do praticar o politicamente incorreto. Porque se está nu em direitos e com as mãos vazias no bolso, se pode ser verdadeiramente “autêntico”, ser o que se é despido das “aparências da sociedade” e liberto das exigências do Estado de direito.

Viva! Não é mais preciso “dar conta” e “prestar contas” a ninguém. Pode-se gastar sozinho a fartura do miserê material e existencial para se segurar no aqui-agora frente a certeza da escassez de futuro no daqui a pouco.

Desafiar as normas do Estado e as regras da sociedade se tornou o lugar da revolução libertária de quem experimenta e se beneficia da mobilidade social reversa e da desigualdade cultural, social e material vividas. Assiste-se ao “tamu-junto” dos possuidores insatisfeitos com sua acumulação de horizontes e dos despossuídos revoltados com sua falta do amanhã.

E daí? Este é um coro uníssono de forte apelo que aponta para o rendimento da ruptura do pacto político. O distrato coletivo é a nova lei áurea dos devotos de si portadores de baixa estima social. Naturalmente desiguais e, por isso, unidos na crença de que estão emancipados da Sociedade e do Estado.

Este é o unguento moral que anestesia os traumas sociais e permite acordos político-econômicos particulares: a culpa é sua para você poder colocar em quem quiser: no “sistema”, na constituição, no partido, no SUS, na vacina, na favela, enfim, na natureza humana.

Desregular, desregulamentar e desinstitucionalizar são o modo de governo. Todos são transformados em empresários de si e que “fizeram por merecer” a herança, o berço e as oportunidades recebidas.

Este não é um mundo de gados, robôs, isentões e adesionistas desprovidos de vontade, infantilizados e desresponsabilizados politicamente por estas desqualificações tutelares. Este é um mundo de lacradores, da escolha individualista em sua plena streap-tease, do arbítrio levado as últimas consequências da arbitrariedade das nossas razões particulares de cor, gênero, orientação sexual, classe, etc.

Quanto mais se assume o preconceito e se tira a discriminação do armário melhor. Afinal, o lugar ao sol na sociedade do dislike requer generalizar a engrenagem da exclusão social para ficar na frente da fila dos direitos transformados em privilégios. Quanto menos gente no cercado VIP da reprodução social melhor.

Cada um no seu quadrado porque está tudo ficando dominado pela exaustação emocional, cansaço existencial e incerteza material. “Tem que mexer nisso daí”, nesta nossa visão de mundo que cria e dá vida a ventríloquos que vocalizam "libertação e libertinagem ainda que tardias". Pois é esta nossa mentalidade que tem vencido as eleições.

 

*Jacqueline Muniz é Antropóloga, especialista em segurança pública e professora da UFF.

Edição: Rodrigo Durão Coelho