O assédio cometido pelo deputado Fernando Cury (Cidadania) contra a deputada estadual Isa Penna (PSOL) –durante a votação do orçamento do estado para 2021, para que todos presentes no plenário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) observassem – expôs o machismo estrutural dentro da maior casa legislativa estadual do Brasil.
O constrangimento começou logo quando a parlamentar chegou ao Plenário Juscelino Kubitschek, na quarta-feira (18): o assunto debatido entre alguns deputados era um vídeo no qual Penna dançava funk. “O meu corpo estava sendo debatido, o deputado, então, se sentiu à vontade”, afirmou a deputada em entrevista à CNN.
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Depois, veio o assédio cometido por Cury contra a deputada, que sequer sabia o nome dele, uma vez que, como o próprio afirmou, pouco aparece na tribuna, espaço no qual os parlamentares discursam no plenário. “A lembrança do toque dele é absolutamente nojenta.”
Neste momento, mesmo com a reação de Penna, nenhum parlamentar ao redor se manifestou. Todos permaneceram em seus lugares, seguindo com as suas conversas. No vídeo, é possível ver no máximo alguns olhares. Nem mesmo o presidente da Casa, o deputado Cauê Macris (PSDB), que estava conversando com Isa Penna no momento do assédio, se manifestou no momento do ocorrido. Penna também contou, em coletiva de imprensa, que Cury e parlamentares próximos a ele deram risada após o assédio.
Na quinta-feira (17), a parlamentar subiu à tribuna para denunciar o caso publicamente, quando foi interrompida diversas vezes pelo presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB), além de não ter sido autorizada a exibir as filmagens das câmeras do plenário que registraram o caso. As filmagens só foram exibidas após todos os líderes de partidos concordarem.
Tinham câmeras, tinha o presidente e mesmo assim ele se sentiu à vontade
Somente após a denúncia do caso na tribuna, parlamentares prestaram solidariedade à deputada do PSOL. “A gente tem que entender que o ambiente legislativo é um ambiente extremamente corporativista, no sentido de proteção entre os pares, o deputado protege o deputado."
Segundo Penna, todos esses momentos, desde a conversa sobre um vídeo publicado em seu perfil pessoal do Instagram até o silenciamento do caso na Alesp, mostram que o “assédio é uma constante nos espaços políticos de poder". "Tinham câmeras, tinha o presidente e mesmo assim ele se sentiu à vontade”. Nesse sentido, um espaço destinado à produção de políticas públicas acaba sendo “um espaço extremamente violento”.
A deputada registrou um boletim de ocorrência por importunação sexual na Polícia Civil de São Paulo e protocolou uma denúncia contra Cury por quebra de decoro no Conselho de Ética da Alesp, que deve decidir o caso até março. Se aceita, a denúncia é encaminhada para votação no plenário da Alesp.
O que dizem os outros envolvidos?
Até o momento Macris, e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) não se pronunciaram sobre o caso. “Lamento o silêncio da presidência da assembleia. Lamento o silêncio do governador. Se eles acreditam nas instituições democráticas, eles deveriam se manifestar e se comprometer publicamente com isso”, afirmou Isa Penna, em coletiva de imprensa.
O PSOL, em nota, lembrou que outras parlamentares já foram assediadas verbal e psicologicamente em outras ocasiões, como Mônica Seixas e Erica Malunguinho, ambas do mesmo partido, deixando explícito mais uma vez que a violência política de gênero contra Penna não é um caso excepcional.
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O presidente estadual do Cidadania de São Paulo, Arnaldo Jardim, e o presidente nacional, Roberto Freire, afirmaram em nota que o partido está “analisando as imagens”. Também pontuam que a sigla “exige as devidas explicações do parlamentar e encaminha o caso ao nosso Conselho de Ética, para que, ouvido o representado, sejam tomadas providências cabíveis e efetivas”.
Em nota à imprensa, o deputado Fernando Cury afirmou que “em nenhum momento houve o sentido de desrespeitar” a parlamentar. “Sou casado, pai de dois filhos e reconheço a importância de um bom exemplo dentro de casa. Recrimino todo tipo de abuso e violência contra a mulher, e reforço meu respeito e luta para nessa questão de grande relevância e destaque para nossa sociedade.”
Assédio na Câmara dos Vereadores de São Paulo
Não é a primeira vez que Isa Penna é assediada enquanto parlamentar.
Em março de 2017, na Câmara de São Paulo, a então vereadora Isa Penna foi agredida verbalmente e ameaçada pelo então vereador Camilo Cristófaro (PSB). O episódio ocorreu quando a parlamentar estava a caminho do subsolo do prédio da Câmara, para a reunião de construção de uma audiência pública sobre a rede de proteção das mulheres.
Ficava toda hora querendo reforçar que eu não era nada
"Ele já estava me encarando com uma cara estranha, mas, como eu já tinha feito aquela fala no dia anterior, eu já estava aguentando muita gente me olhando feio", relatou ao Brasil de Fato, na época. Dentro do elevador, as agressões começaram: "vagabunda", "terrorista"; "você chega aqui achando que tem algum poder, mas não tem poder nenhum"; "depois, não vai ficar surpresa se, andando pela rua, você tomar uns tapas"; "eu vou pedir sua cassação"; "você está me desafiando?". "Ele ficava toda hora querendo reforçar que eu não era nada", afirmou Penna.
Edição: Rodrigo Chagas