Mais de 15 mil pessoas assinaram uma petição virtual contra o desmonte do Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, em Tatuí (SP), entre terça (15) e quarta-feira (16). A campanha, que cumpriu a meta de assinaturas em menos de 24 horas, foi organizada por músicos egressos, alunos, professores e colaboradores que denunciam a previsão de 69 demissões e de extinção de cursos a partir de 2021 com a anuência do governo João Doria (PSDB).
O Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos foi fundado em 1951 e é uma referência em produção e difusão musical. Todos os cursos são gratuitos.
Há mais de dez anos, os governos paulistas, liderados pelo PSDB, iniciaram um processo gradativo de privatização, transferindo a gestão do Estado para Organizações Sociais (OS).
A possibilidade de cortes foi formalizada na última semana pela Sustenidos Organização Social de Cultura, considerada pelos critérios do governo a única habilitada para gerir o conservatório a partir de 2021. Esta OS sinalizou à Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo (SCEC) que pode extinguir 496 vagas em julho do ano que vem, o que equivaleria a uma redução de 22,6%.
A proposta técnica e orçamentária enviada pela Sustenido à SCEC inclui ainda a possibilidade de fechamento do Polo de São José do Rio Pardo (SP), onde funcionam 16 cursos regulares e cinco de especialização, a extinção do único curso público de cenografia do país.
O curso de choro, referência internacional no estudo do primeiro gênero musical urbano do Brasil, também fecharia as portas no ano que vem, caso a proposta avance. Desde 1991, são oferecidos cursos de flauta transversal, violão, bandolim, cavaquinho, percussão e prática de conjunto popular.
A Frente Estudantil do Conservatório de Tatuí, responsável pelo abaixo-assinado, informou ao Brasil de Fato que enviará uma carta aberta ao Ministério Público e à SCEC questionando o desmonte: "Os cortes já vêm acontecendo há anos. Não defendemos a entrada nem a saída de uma ou outra OS. O que queremos é que não haja cortes. O Conservatório de Tatuí é estadual e não tem que ter patrocínio: é um órgão público e precisa ser bancado com recursos do Estado."
Orçamento em queda
Quando a gestão era 100% pública, o Conservatório de Tatuí chegou a ser considerado o maior da América Latina.
A alteração para o modelo de OS, nos anos 2000, veio com a promessa de captação de recursos privados, para além da verba pública, em um período de crescimento econômico do país. Porém, o percentual de recursos privados no Conservatório, via leis de incentivo fiscal, nunca superou os 10%.
"Essa modificação retirou paulatinamente a responsabilidade do governo de São Paulo em relação ao Conservatório", lamenta. "Nos últimos dez anos, tivemos um corte de recursos na ordem de 40% do orçamento", explica Eduardo Sallum (PT), vereador de Tatuí que protocolou um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo estadual e à SCEC sobre os cortes previstos pela Sustenido.
O contrato da organização social vencedora do edital teria vigência até 31 de dezembro de 2025, e o início estaria condicionado à rescisão do contrato com a atual gestora, a Abaçaí Cultura e Arte, que possui contrato até 31 de dezembro 2022
Segundo a SCEC, o processo de contratação da Sustenidos encontra-se em análise.
"O compromisso para 2021 é de um ajuste sério para sanar a grave crise administrativa e financeira da instituição, mas sem nenhum corte de atividades ou prejuízo aos alunos e à comunidade. Em 2022, a meta é abrir mais cursos e vagas, além da contratação de professores", diz nota divulgada pelo governo Doria. "O novo parceiro da Secretaria de Cultura e Economia Criativa será contratado ainda este mês, após um rigoroso processo de seleção. O projeto da Organização Social Sustenidos, instituição de bem-sucedida gestão à frente do Projeto Guri, está em fase final de análise."
Sallum lembra que, quando iniciou o contrato, em 2018, a Abaçaí também previa cortes e demissão de professores, mas recuou após pressão da sociedade.
A razão para o rompimento do contrato com a Abaçaí é o não cumprimento das metas de captação de recursos privados. O edital para contratação de uma nova OS é considerado pela SCEC um "chamamento preventivo".
"O plano da Sustenido condiciona os investimentos e a própria existência de cursos à viabilidade financeira e às prioridades da Secretaria de Cultura. É aparentemente lindo, mas não é viável financeiramente, em um contexto em que o estado só fala em ajuste fiscal e ajuste orçamentário. Então, fica claro que a intenção é fechar vagas", analisa Sallum.
"Tatuí é a capital da música. Então, embora a gestão seja estadual, é do interesse da cidade que o Conservatório continue sendo um espaço de excelência, até para geração de emprego e renda", finaliza o vereador.
Edição: Rodrigo Chagas