Uma área equivalente a duas vezes a região Sudeste do Brasil, ou 2,12 milhões de quilômetros quadrados, ficará disponível para a compra por estrangeiros, caso vingue o Projeto de Lei (PL) 2.963/2019, que facilita o acesso de estrangeiros a terras brasileiras, aprovado pelo Senado na última terça-feira (15) A proposta, que segue para votação na Câmara dos Deputados, autoriza a compra, por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, de até 25% da área de municípios brasileiros.
A legislação atual, de 1971, só permite a aquisição em caso de estrangeiros residentes no Brasil, empresas já autorizadas a funcionar no país ou empresas brasileiras cuja maior parte do capital social pertença a estrangeiro.
A proposta aprovada no Senado diminui as exigências, contemplando pessoas físicas e empresas estabelecidas fora do território nacional, mesmo sem sede no Brasil. O aval para negociação caberá ao Conselho de Defesa Nacional (CDN).
A votação no Senado foi simbólica. Antes da análise, uma proposta do PT para retirar o projeto da pauta foi rejeitada por 35 votos a 20.
"Somos o maior produtor de grãos do mundo, mas nós estamos vivendo inflação, picos inflacionários por falta de determinados produtos, em função da ocupação da terra somente para a produção de commodity. Imagine se a gente entregar 25% do nosso território para estrangeiros?", questionou o senador Rogério Carvalho (PT-SE), contrário ao projeto. "Nem estou falando da questão da soberania, que é outro debate. Eu estou falando de ter comida na mesa, da capacidade de fazermos da terra um instrumento de distribuição de riqueza neste país".
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O que está em jogo
Entidades ligadas ao agronegócio apontam que a abertura desse mercado poderia gerar receitas de cerca de R$ 50 bilhões. O autor da proposta é o senador Irajá Abreu (PSD-TO), que integra a bancada ruralista e é filho da senadora e ex-ministra Katia Abreu (PDT-TO).
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“Investimentos estrangeiros significam aumento da demanda por terra e tendem a puxar os preços das terras para cima. Isto tornará a produção mais cara, afinal a terra é um componente importante dos custos de produção. Ou seja, é um erro até na lógica capitalista”, explicou Sérgio Sauer, professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador de temas relacionados a reforma agrária, terra e território, em entrevista ao Brasil de Fato à época da apresentação do projeto.
Alexandre Conceição, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ouvido pela reportagem em 2019, acrescentou que a liberação traria riscos não só para a soberania nacional, mas para a segurança alimentar dos brasileiros.
“Temos 100 milhões de hectares de terras agricultáveis e 4,5 milhões de sem-terra. Portanto, não precisa devastar, não precisa por fogo na Amazônia: basta distribuir a área para os sem-terra para a gente produzir alimentos saudáveis, protegendo a natureza, dentro da agroecologia. O programa do governo atual é desfazer tudo o que a Constituição de 1988 fez, que é garantir a função social da propriedade da terra e a soberania nacional”, disse.
Edição: Rogério Jordão