O Investimento Estrangeiro Direto foi feito através de fusões e aquisições das empresas nacionais
Nessa semana a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), divulgou um relatório intitulado de “Investimento Estrangeiro Direto na América Latina e Caribe 2020”. O Relatório aponta um diagnóstico da situação do Investimento Estrangeiro Direto (IED) na região na última década -, entre 2010 e 2019 – além de caracterizar a situação das inversões estrangeiras aos países subdesenvolvidos no bojo da pandemia e apontar os desafios para a região.
O Investimento Estrangeiro Direto (IED), atualmente, tem uma natureza e um caráter deveras distintos do que teve no passado, particularmente com a ascensão do imperialismo no início do século XX e no período do pós segunda Guerra Mundial. A constituição dos grandes monopólios, encerrando a era do capitalismo competitivo que já era identificado por Marx, e melhor ainda diagnosticado – no calor dos acontecimentos – por Lênin, ensejou um novo período da concorrência intercapitalista entre as grandes potências centrais. A faceta mais robusta do imperialismo passou a ser – além do poderio militar e a partilha do mundo – a exportação de capitais. Assim, para concorrer e liderar a disputa intercapitalista, os países centrais passaram não mais a apenas exportar suas mercadorias, senão que a exportar seus capitais, suas grandes empresas multinacionais.
O desenvolvimento industrial brasileiro, principalmente pós 1950, esteve muito relacionado ao movimento do Investimento Estrangeiro Direto. Esse movimento não se constituiu em uma cooperação capitalista, como acreditam os teóricos da dependência associada, senão que uma forma mais sofisticada de aprofundamento da dependência latino-americana através da dependência produtiva, tecnológica e financeira.
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A partir da década de 1980 e, sobretudo, de 1990, com o surgimento das Cadeias Globais de Valor e o avanço da dominação do capital financeiro, o IED mudou de natureza. Da sua faceta produtiva industrial, o investimento nas nações latino-americanas passou a ser mais especulativo e na órbita financeira, atraído pelos elevados juros praticados, sobretudo no Brasil. Ao invés de construir novas fábricas, o IED foi feito através de fusões e aquisições das empresas nacionais, agravando a desnacionalização das nossas economias.
Os países subdesenvolvidos, em especial os latino-americanos, são fortemente dependentes do investimento estrangeiro para fechar o balanço de pagamento, já que essas economias são fortemente deficitárias nas transações correntes. Ocorre que essa dependência nos torna muito voláteis. Essa é a situação diagnosticada pela CEPAL. Na última década o IED caiu substancialmente, principalmente após a grande crise de 2008 e o colapso econômico que vive o capitalismo, de forma geral. O Brasil ficou em segundo lugar entre os países latino americanos em que mais refluiu o ingresso de capitais. Ao contrário do tão propagado programa de ajustes neoliberais de Bolsonaro, não é a destruição dos direitos sociais e o corte de gastos que cria confiança no investidor internacional.
A situação da pandemia atual agrava o cenário de incertezas globais e torna os fluxos para a periferia ainda mais escassos, com impactos importantes na depreciação da moeda brasileira. De outubro de 2019 a outubro de 2020 foram reduzidos em 45% o fluxo de investimentos para o Brasil, que ficou atrás apenas da Colômbia.
Segundo o relatório, o pouco investimento recebido não foi capaz de catalisar mudanças relevantes do ponto de vista produtivo na região, em parte pela natureza mais especulativa e volátil do capital externo, mas – em parte substancial – pela ausência de coordenação da atração desses fluxos com políticas nacionais de desenvolvimento.
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Do diagnóstico da situação vulnerável da região, a CEPAL aponta novos e maiores desafios aos países subdesenvolvidos. O primeiro deles é retomar com força o que, para a equipe econômica atual é um palavrão: Política Industrial. Para a racionalidade anti nacional e neoliberal a melhor política industrial é não ter política industrial. É necessário aproveitar esse momento particular de câmbio apreciado, juros baixos e capacidade produtiva ociosa para levar adiante um verdadeiro plano de reindustrialização do país, focando esforços no desenvolvimento de setores dinâmicos, que possam ser o motor do desenvolvimento sustentado, sustentável, gerador de empregos de qualidade e redutor das desigualdades sociais e regionais. O foco deve ser inovação, rumando para um setor industrial intensivo em tecnologia. No entanto, basta olhar a proposta orçamentária apresentada ao Congresso pelo governo Bolsonaro para identificar que a opção por um Brasil apequenado e neocolonial está mais presente do que nunca. Os gastos em ciência e tecnologia estão com uma proposta de corte de 25% do seu orçamento, em um período em que o mundo inteiro aposta no desenvolvimento desse setor.
Outros desafios como uma maior integração regional e o desenvolvimento de parcerias produtivas e financeiras entre os países latino-americanos também estão colocados no relatório.
O documento é valioso, mas - no Brasil - esbarra em outro “palavrão” anacrônico e fora de moda para os liberais, o 'projeto nacional de desenvolvimento'. O investimento privado e, principalmente, estrangeiro não tem condições e nem é vocacionado para realizar mudanças estruturais na região. É necessário resgatar Celso Furtado e Caio Prado Junior que já identificaram a importância da coordenação do Estado no disciplinamento e melhor adequação do capital privado. No entanto, no Brasil o Estado está sob a mira de um desmonte.
Nessa situação, o Brasil e a América Latina perdem a relevância que adquiriram, internacionalmente, sob a onda de governos progressistas da região e passam a ser mais dependentes do capital internacional, ficando refém da sua ausência – como agora – ou da sua entrada de forma predatória e especulativa como foi a regra no período recente.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rogério Jordão