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De trem para o Sul

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No quinto dia, cheguei a Santa Maria e de lá segui para Uruguaiana, mas perdi os documentos e não pude entrar na Argentina - Thaynara Souza / Unsplash
Tinha um certo preconceito, achava que Sul significava lugar em que tudo era certinho demais,

Mineiro tinha fama de gostar de viajar de trem. E eu, como mineiro, confirmava isso. Gostava muito.

Mas desde o governo Juscelino, o Brasil foi detonando o transporte ferroviário, o que se agravou na ditadura e teve o xeque-mate no governo Fernando Henrique, que acabou quase de vez com o transporte ferroviário de passageiros.

Durante a ditadura, eu já previa que dali uns anos não seria mais possível viajar de trem no Brasil. E aproveitava para ir pra todo lado nos trens que restavam.

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Uma vez, de férias, estudei os ramais que ainda funcionavam e vi que seria possível ir de São Paulo até Uruguaiana, na fronteira com a Argentina, sem pôr os pés num ônibus, e de lá seguir para Buenos Aires.

Eu não conhecia nada da região Sul. Tinha um certo preconceito, achava que Sul significava lugar em que tudo era certinho demais, e meu gosto é por coisas menos certinhas. Minha região preferida para viagens, inclusive de trem, era o Nordeste.

Pois bem... Fui, esperando encontrar tudo muito organizado, nada de avacalhação.

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Mas no segundo dia de viagem, logo que entrou no Paraná, o trem parou num ermo e eu pensei: “Xi... até aqui as ferrovias já estão sucateadas e com problemas”.

Depois de uns vinte minutos, vi pela janela o maquinista e um colega passarem carregando maços de agrião. Pararam o trem para roubar agrião.

Então pensei: “O Sul não é tão Sul assim, tem dessas coisas também”. Mas imaginei que era porque ainda não tinha chegado no Sul de verdade.

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Em Santa Catarina, um casal de idosos gordos e risonhos fumava charuto e bebia cerveja dando risadas. Chamaram o sujeito que conferia passagens e o homem falou que na cidade seguinte a mulher dele queria visitar uma comadre, pediu que o trem não saísse antes de voltarem.

E atrasaram quase uma hora, com o trem esperando.

Enfim... pensei, o Sul é mais organizado, mas não tanto. “O Sul não é tão Sul assim”, repeti.

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No quinto dia, cheguei a Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde vi muitas moças bonitas, e de lá segui para Uruguaiana, mas perdi os documentos e não pude entrar na Argentina.

A viagem não deu certo? Achei legal, deu pra eu perder preconceitos contra o Sul, que não é tão certinho como eu pensava.

Acabei voltando à região várias vezes, não de trem, que não tinha mais. E lá, umas moças lindas topavam namorar um cara feioso como eu. Namorei sulistas, sim. E gostei.

Edição: Leandro Melito