Agricultura familiar

Campanha agroecológica: alimentação para transformar vidas

Iniciativa do Centro Sabiá propõe financiamento popular para manter projetos agroecológicos

Ouça o áudio:

A campanha relaciona segurança alimentar, produção sustentável e combate à violência contra as mulheres - Centro Sabiá
Isso é muito valioso. É como se guardasse um tesouro dentro de cada um de nós

Em 1944, o poeta, Solano Trindade foi preso. O motivo? Escrever o texto “Tem gente com fome”, no livro “Poemas de uma vida simples”. Em 1975, as mesmas rimas foram censuradas quando o grupo Secos e Molhados tentou uma versão musicada do versos feitos pelo multiartista recifense.    

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Trem sujo da Leopoldina

correndo correndo

parece dizer

tem gente com fome

tem gente com fome

tem gente com fome

Piiiiii (...)

Setenta anos depois do poema, o Estado brasileiro pareceu dar ouvidos e passos mais significativos para a questão alimentar. A saída do Mapa da Fome em 2014 representou um alívio para boa parte da população e esperança de um novo olhar na história do país. 

Mas, poucos anos depois, essas conquistas entraram em xeque por conta de um desmonte de políticas públicas do setor. Quem confirma é o coordenador técnico-pedagógico do Centro Sabiá, Carlos Magno. 

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“O que a gente tinha por exemplo de todas as políticas dos governos Lula e Dilma entre os anos de 2003 e 2015, mais ou menos, políticas estruturantes do ponto de vista de combate à fome, começa a perder força em 2016 e a gente passa em 2018 a ter um governo autoritário neofascista, que é o governo Bolsonaro, e que coloca a gente com uma situação inclusive de retorno ao Mapa da Fome”, afirma.   

Em 17 de setembro deste ano, o IBGE divulgou um levantamento que aponta 10,28 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar no ano de 2018, o que representa 5% da população brasileira.

Atualizar esses dados de dois anos atrás necessita da inclusão das crises causadas pela pandemia do coronavírus, que agravaram as quedas na economia do país nos últimos anos. 

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É neste cenário que a campanha Comida de Verdade Transforma se soma às experiências da sociedade civil para amenizar a insegurança alimentar no país. A iniciativa é tocada pelo Centro Sabiá, que atua no Estado de Pernambuco. 

São três pilares de execução, entre a perspectiva chamada como “Sem fome”, para fortalecer ações de produção de alimentos no campo e na cidade; o “Sem veneno”, que intensifica a garantia de alimentos orgânicos e agroecológicos e o “empoderar”, que combate a violência doméstica sofrida pelas agricultoras. 


Campanha atua pelo desenvolvimento de estratégias sustentáveis de produção de alimentos / Centro Sabiá

Na ausência do poder público, a campanha Comida de Verdade Transforma conta com financiamento e engajamento da população, como afirma Carlos Magno.
 
“A campanha acontece no momento onde a gente está vivendo uma dificuldade na relação e uma total falta de recursos do Governo Federal para o financiamento das ações das organizações da sociedade civil, desmantelamento de conselhos, desmantelamento de políticas públicas, como a própria política de ATER [Assistência Técnica e Extensão Rural], política de [acesso à] água. Essas políticas que outrora estavam em funcionamento - claro que com sempre grau de dificuldade -, mas elas existiam e funcionavam”, ressalta.  

(...) Mas o freio de ar todo autoritário
Manda o trem calar

Analisar as transformações que rodeiam a produção de alimentos no Brasil sugere também um olhar para o agronegócio.

Para se ter uma ideia, em 2019, as vendas do setor para fora do país renderam apenas R$ 16,3 mil reais aos cofres públicos, o equivalente a um centavo de imposto a cada R$ 323 mil com exportação.

O afrouxamento dessa balança está no artigo Agrotóxicos, capital financeiro e isenções tributárias, escrito por Marcelo Carneiro Novaes e Thomaz Ferreira Jensen, no livro Direitos Humanos no Brasil 2020, lançado neste mês de dezembro pelo Movimento Humanos Direitos e pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. 

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Por outro lado, a agricultora agroecológica Chirlene Barbosa, do município de Bom Jardim, no agreste de Pernambuco, é uma das participantes da campanha Comida de Verdade Transforma.

Ela comercializa seus produtos na feira de Santo Amaro, no Recife e aponta uma perspectiva de capital bem distinta do agronegócio.

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“Quando saímos para levar produtos agroecológicos e saudáveis para as famílias não estamos levando apenas o alimento, mas o nosso comprometimento de que aquele produto é de fato de qualidade, saudável. Porque não representamos apenas as famílias agricultoras, mas as associações e instituições [que integram e defendem a agricultura familiar], enfatiza.  

Chirlene acrescenta: "estamos carregando um legado de muita experiência e aprendizado, e isso é muito valioso. É como se guardasse um tesouro dentro de cada um de nós”. 

Edição: Douglas Matos