Rio Grande do Sul

Coluna

Depois do vendaval. E um brilho no olhar

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Quem participou da caminhada final de Manuela e Rossetto pela Cidade Baixa, sábado 28, final da tarde, tinha certeza da vitória - Karla Boughoff
Será preciso incentivar os Comitês Populares contra a Fome e o Coronavírus, com solidariedade e ação

Quarta-feira, 2 de dezembro, quando começo a escrever este artigo, confesso: ainda não estou recuperado da derrota eleitoral de domingo em Porto Alegre. Pareço um marinheiro de primeira viagem e eleição, eu que participo diretamente de processos eleitorais desde 1978.

Anulei meu voto pela primeira vez na vida no segundo turno das eleições municipais de 2016. Chegou então ao segundo turno em Porto Alegre o hoje prefeito eleito, Sebastião Melo. Fiquei em dúvida sobre o que fazer até o último momento – voto em Melo contra Marchezan, ou não? Hoje sei que estive certo ao anular meu voto, depois das centenas de milhares de Fake News, das mentiras contra Manuela D’Ávila, da campanha de ultradireita com pregação anticomunista, de pesquisas falsas de última hora, muito jogo sujo e compra de votos, em 2020, a campanha Sebastião Melo. Saudades mil do MDB da luta contra ditadura, agora assumindo um discurso de direita, ressoando na prática o ódio e a intolerância bolsonaristas.

Passadas as eleições, hora de fazer balanços e projetar o futuro.

Vamos aos números, que servem de referência. Sebastião Melo teve 370.550 votos, 54,63% dos votos válidos, no segundo turno. Manuela e Rossetto alcançaram 307.745, 45,37% dos votos válidos. A ‘comunista’ Manuela, como a chamavam e berravam os caminhões de som no sábado, 28 de novembro, pelas ruas de Porto Alegre, teve mais de 300 mil votos, número nada desprezível, com uma abstenção de 354.382 eleitoras/es. 33% do eleitorado não compareceu para votar.

Como interpretar o resultado final?

Houve uma derrota eleitoral muito doída, talvez maior e difícil de aceitar que em outras eleições. Quem participou da caminhada final de Manuela e Rossetto pela Cidade Baixa, sábado 28, final da tarde, tinha certeza da vitória. Foi linda, entusiasmante. Militância acesa, brilho no olhar de todas e todos, alegria, festa, esperança.

E houve uma derrota política. Não só em Porto Alegre, também em outros lugares do Brasil, antevendo o que será 2021 e 2022. Quem ganhou foi o Centrão e a centro-direita, representados pelo MDB, PSDB, DEM, especialmente.

Foi derrotado o bolsonarismo raivoso e fascista, o que não é algo menor na conjuntura em que estamos. E abre espaços para o futuro da esquerda e centro-esquerda, que estão vivas, não foram liquidadas.

E há de se ressaltar o brilho no olhar. 307.745 porto-alegrenses não se amedrontaram, não acreditaram nas mentiras, nas calúnias, na pregação anticomunista. Depois de várias eleições, a esquerda voltou a estar no segundo turno em Porto Alegre e até podia ter sido vitoriosa.

É preciso, pois, pensar para frente, preparar o futuro. 2021 será um ano muito difícil, talvez pior que 2020. Mais fome, miséria e desemprego, mais crise econômica, social e ambiental no horizonte. As consequências da pandemia, com governos ineptos e negacionistas, vão trazer mais dor e sofrimento para milhares, milhões de famílias.

Será preciso incentivar os Comitês Populares contra a Fome e o Coronavírus, com solidariedade, mobilização social e formação na ação.  2021 poderá ser o ano da solidariedade e da pedagogia libertadora, com a celebração do centenário de Paulo Freire. É preciso fazer acontecer a Sexta Semana Social Brasileira, promovida pela CNBB, com o tema Terra, Trabalho, Teto, um Mutirão pela Vida. 2021, ano do ‘ninguém solta a mão de ninguém’.

Há uma imagem que nunca vou esquecer desta eleição de 2020. Final da manhã de sábado, 28 de novembro. Estou terminando a jornada de visita casa a casa e conversa com os moradores na Vila Esmeralda, Lomba do Pinheiro (aliás, mais uma vez, houve vitória na Lomba do Pinheiro, como em todas as eleições anteriores, primeiro e segundo turno). Dois piás, de 9/10 anos, se aproximam de mim. Tinham na mão duas bandeiras da Manu. Pediram-me material de campanha: “Pode nos dar material pra gente distribuir aqui na Vila Mapa?” “Claro”, respondi. Dei todo o resto de material que eu carregava comigo. E fui acompanhando com o olhar eles se encaminhando, bandeira no ombro, para as ruas da Vila Mapa, Lomba do Pinheiro.

Os dois guris tinham brilho no olhar. O ESPERANÇAR freireano dominou meu coração naquele momento e continuará me acompanhando. E estava no olhar, sorriso, determinação, confiança e coragem deles. Certamente, eles também não se esquecerão desta campanha.

Não houve vitória eleitoral em 29 de novembro de dois mil e vinte em Porto Alegre. Mas o brilho no olhar reacendeu-se nesta eleição. E dará frutos no futuro, com muita solidariedade, muita resistência, muito trabalho de base, muita formação política, muita unidade, e a construção de um projeto estratégico para o Brasil do próximo período.

Edição: Katia Marko