Cacau orgânico

Chocolate Terra Vista: o sabor que vem da produção sustentável

O chocolate feito pelo MST segue o caminho inverso dos antigos “coronéis do cacau” ou das multinacionais contemporâneas

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Chocolate fino feito com cacau orgânico já foi elogiado por Angela Davis, Chico Buarque e Lula - Carlos Alberto, Boby/Assentamento Terra Vista
É uma iniciativa de vanguarda essa do MST produzir um chocolate de qualidade, orgânico

Um fungo (Moniliophthora perniciosa) foi capaz de derrubar boa parte da imensa produção de cacau no sul Bahia na década de 1990. O desequilíbrio ambiental registrado cerca de três décadas atrás alterou o cenário dos “coronéis do cacau” descrito tanto pela literatura de Jorge Amado quanto pelos estudos de Josué de Castro no século passado.

A Bahia permanece como um dos estados que mais produz cacau no país, mas a crise causada pelo fungo conhecido como vassoura-de-bruxa levou muitos latifundiários à falência. Ao mesmo tempo do crescente desemprego com a decadência do cacau, a luta pelo direito à terra avançou de forma significativa no estado a partir da década de 1980.    

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É nesse contexto que nasce o assentamento Terra Vista, em Arataca (BA). A ocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é de 08 de março de 1992, mas a fundação oficial aconteceu em 1994.

As 55 famílias assentadas nos 904 hectares se destacam pela preservação ambiental, agroecologia e produção de mudas da Mata Atlântica. Além disso, o Terra Vista é mundialmente reconhecido pelo cacau orgânico e chocolate fino.


A produção de cacau orgânico é dos destaques da base agroecológica do Terra Vista / Carlos Alberto

A produção feita pelas famílias do MST se destaca para muito além do paladar. A sustentabilidade ambiental, social e econômica está garantida no chocolate Terra Vista.

A relação harmoniosa com a Mata Atlântica está presente, por exemplo, em qualquer das versões 39%, 56%, 76% ou 100% cacau, como afirma Rafaela Oliveira, do setor de juventude do MST da Bahia.

“Produzir com uso de insumos, com o uso de fertilizantes e agrotóxicos do jeito que os coronéis usam seria uma contradição. Porque a gente não iria poder cuidar do meio ambiente em si, dos recursos naturais, da fauna e flora. Qual é o método que a gente deve sempre ter? De produzir esse cacau de forma cabruca, que é aquele cacau produzido no meio da floresta, na relação com as árvores que já existem”, explica.

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Rafaela Oliveira tem 22 anos e combina teoria e prática na produção do cacau. Ela fez uma alternância entre o andamento do bacharelado interdisciplinar em ciências, na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), com as experiências práticas que teve no Terra Vista.

O assentamento possui o Centro de Formação Profissional do Campo Milton Santos e a Escola-fábrica de chocolate do Litoral Sul.


Chocolate é feito dentro do assentamento do MST respeitando direitos humanos e em harmonia com a biodiversidade / Carlos Alberto, Boby/Assentamento Terra Vista

Rafaela reforça a importância do desenvolvimento da produção cacaueira como forma de fortalecer a reforma agrária e propor novas opções de cadeias produtivas no setor.

O jornalista e pesquisador Marques Casara, por exemplo, explica a cadeia de produção do chocolate no Brasil registra crimes como trabalho escravo, trabalho infantil, fraudes tributárias e diversos tipos de crimes ambientais. 

A hegemonia dos antigos “coronéis do cacau” cedeu para as multinacionais no aspecto de exploração das pessoas e da biodiversidade.    

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“O Brasil, infelizmente, é um terreno fértil para a violação de direitos humanos e crimes ambientais em cadeias produtivas. Há uma elasticidade muito grande ainda em relação ao comportamento de grandes multinacionais.

E o cenário piorou muito desde a instalação do governo neo-fascista do presidente Jair Bolsonaro. Hoje o que se observa é que o estado foi convertido em um agente de proteção de criminosos”, explica Casara, que é especializado em investigação de cadeias produtivas com foco em direitos humanos e meio ambiente.

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Tanto Rafaela Oliveira quanto Marques Casara afirmam que a experiência do chocolate Terra Vista serve de exemplo para todo o país.

A estudante destaca que as atividades cacaueiras no assentamento ajudam a quebrar o estigma de falta de perspectiva para o desenvolvimento rural ou de desvalorização da agricultura familiar. 

“Ajuda as famílias a se conhecerem mais, principalmente se auto afirmar como homem e mulher do campo, que às vezes se pensa que ser do campo, está no campo é algo atrasados, sem uma perspectiva de vida, e com essa visão creio que possa mudar muito o olhar das pessoas em relação a isso. Porque tá no campo pode dizer que a gente pode pode ter tudo”, analisa. 


Cerca de 8 mil crianças brasileiras trabalham na produção de cacau, principalmente na retirada de sementes para fabricação do chocolate / Foto: Tatiana Cardeal

Marques Casara destaca que a experiência do Terra Vista quebra qualquer discurso de impossibilidade de produção sustentável no mercado de chocolates.  

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“É uma iniciativa de vanguarda essa do MST produzir um chocolate de qualidade, orgânico, de forma saudável, respeitosa às pessoas, ao meio ambiente, com a valorização dos agricultores e das agriculturas.

E certamente um chocolate saboroso, porque ele não vai ter gosto de trabalho infantil, violência, trabalho escravo, que é o que acontece atualmente em grandes cadeias produtivas, com destaque para essa do chocolate, que explora no Brasil, no Sul da Bahia e em várias áreas do Pará, aproximadamente 8 mil crianças e adolescentes de uma forma absolutamente violenta”, afirma.

As unidades do Armazém do Campo pelo país são opções de espaços que comercializam o chocolate Terra Vista. As lojas estão instaladas nas cidades de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Recife (PE), Porto Alegre (RS), São Luís (MA) e Caruaru (PE).

Edição: Douglas Matos