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O exemplo de Campina Grande (PB) para a esquerda brasileira

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Não há inocência da nossa parte, sabemos que a situação antidemocrática, o negacionismo extremista e a direita ainda têm maioria no país, mas não por muito tempo - Tomaz Silva / Fotos Públicas
Para 2022, não há outro caminho a não ser a manutenção da união dessas forças democráticas

Por Olímpio Rocha*

Resolvida a parada pós-segundo turno, como é natural e esperável, são muitas as análises políticas acerca de qual espectro político-ideológico teria se saído melhor neste pleito: em nível nacional, a Globo e afins querem empurrar um consenso sobre a vitória do chamado “centrão”, codinome da direita velha e da política dita tradicional. Isto é, os outsiders não se deram bem, o povo parece ter apostado novamente naqueles que se colocam como “políticos natos”, que transitam pelos palácios e parlamentos há muito tempo, o que poderia se comprovar na medida em que, por exemplo, herdeiros de oligarquias venceram as eleições em todo o país.

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Em São Paulo, ganhou um neto de Mário Covas. Em Recife, um bisneto venceu uma neta de Miguel Arraes. De outro lado, também ganharam os fisiologistas clássicos. No Rio de Janeiro, o ensaboado Eduardo Paes pôs fim à teocracia em miniatura de Marcelo Crivella. Em Porto Alegre, um emedebista in pectore derrotou Manuela D’Ávila. Aqui na Paraíba, na capital João Pessoa, o ex-prefeito e ex-vice governador Cícero Lucena derrotou o apresentador de tevê neobolsonarista Nilvan Ferreira, espécie de Datena tabajara.

Já em Campina Grande, cidade onde nasci, cresci, que me deu tudo o que tenho e onde tive a honra de ser candidato a prefeito pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), como já se apostava, firme no indiscutível uso enviesado da máquina municipal, venceu mais um Cunha Lima, mantendo incólume a oligarquia que, alternando entre prefeitura e governo do Estado, já nos governa há mais de quarenta anos.

Porém, não há o que se lamentar acerca dos resultados obtidos pela esquerda na cidade, que emula um microcosmo que pode e deve ter reverberação nacional. Em coligação com o Partido Socialista Brasileiro (PSB), que indicou nossa candidata a vice-prefeita, a advogada Sheylla Campos, tivemos um resultado histórico, que deve ser celebrado, sim! Nossos 5.241 votos, equivalentes a 2,56% dos sufrágios válidos, representaram a maior votação do PSOL na cidade e, proporcionalmente, a maior votação do partido tanto em Campina Grande quanto em João Pessoa, onde tínhamos atingido 2,36% em 2016. Concorrendo ao governo da Paraíba, nosso recorde tinha sido 1,21%, no já longínquo 2006.

Destaco que, juntos, PSOL e PSB, em 2020, contando com fundo eleitoral e doações de pessoas físicas, recebemos apenas pouco mais de 60 mil reais aqui em Campina Grande, contra outras 4 candidaturas que tiveram, no mínimo, cada uma, mais de 1 milhão de reais para gastar neste pleito. Também pontuo que, somente no dia da convenção, 16 de setembro, é que nós decidimos ter candidatura própria, a qual orgulhosamente representei. Ou seja, sem pré-campanha, sem dinheiro e sem experiência prévia, posto que esta foi a primeira vez que me candidatei a um cargo político, ainda considerando os altos níveis de abstenção, devido à pandemia, tivemos um resultado amplamente satisfatório, digno e limpo, que rejuvenesce a esquerda local.

Outro partido do nosso campo que concorreu neste pleito, o PCdoB, apoiado inicialmente por PT, PDT e REDE, também teve recorde de votação por aqui. A candidatura do Deputado Inácio Falcão, a despeito de não ter uma história de militância orgânica à esquerda, chegou a 16,35% dos votos, com 33.415 sufrágios no total. Somados, PSOL e PC do B tiveram, portanto, mais de 19% dos votos na cidade em 2020. É óbvio que, houvesse segundo turno na cidade, estaríamos juntos contra a direita negacionista travestida de bom-mocismo. Em 2016, as candidaturas de partidos de esquerda em Campina Grande, representadas, à época, por PSOL e PSB, que saíram em faixas próprias, tiveram, juntas, somente 5,78% do total de votos.

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Pois bem, os números são claros: nosso crescimento foi de mais de 13% em 4 anos, o que não é pouco, considerando o ranço oligarca que infelizmente insiste em perdurar na cidade, que já foi chamada de ilha tucana nordestina pela Revista Veja. Agora, a explicação para esse resultado positivo não é difícil. É que, desde 2019, instalamos por aqui o Fórum Pró-Campina (FPC), agrupamento partidário que tem PSOL, PT, PSB, PDT, REDE e PC do B, partidos que se reuniram em seminários, lives, reuniões presenciais e remotas em torno da construção de um programa de governo democrático, progressista e de inclusão social.

Na última semana do primeiro turno, Inácio Falcão e eu assinamos carta-compromisso em torno dos objetivos programáticos do Fórum Pró-Campina, tendo como norte o combate à extrema-direita conservadora e a proposição de soluções reais e viáveis para os problemas campinenses. Dividido em 4 grandes eixos, o FPC discute acesso à cidade, desenvolvimento econômico, direitos humanos e participação social, entre outros temas correlatos, contando com apoio e colaboração de professores e professoras, estudantes, militantes de movimentos sociais e especialistas em geral que ajudam a moldar nosso programa, que logo sairá em e-book.

O Fórum Pró-Campina serviu de exemplo já em 2020 para candidaturas do nosso campo Brasil afora. Em São Paulo, todos os partidos de esquerda se uniram em torno de Guilherme Boulos, no segundo turno, e os 40% do psolista foram históricos. Em Porto Alegre, também houve união no segundo turno em torno de Manuela D’Ávila, assim como aconteceu em Belém, com Edmilson, já no primeiro turno. Independente de sucesso eleitoral, houve também os casos de Florianópolis, Juiz de Fora e outras cidades que elegeram prefeitos e prefeitas pró-democracia, a partir do congraçamento dos partidos que estão no nosso espectro.

Para 2022, não há outro caminho a não ser a manutenção da união dessas forças democráticas em torno de um objetivo comum, qual seja o combate ao obscurantismo bolsonarista. Nosso exemplo em Campina Grande deve continuar servindo de molde para o que esperamos ocorra em todo o país. Mesmo que não seja possível caminhar, já num primeiro turno, com uma ampla frente eleitoral formada pelas agremiações e movimentos progressistas, o ideal é que essas forças estejam organizadas, juntas, para que floresça a esperança na retomada da democracia no país, pois o que nos diferencia é no varejo, muito menor do que o que nos afasta do bolsonarismo, que é no atacado.

Não há inocência da nossa parte, sabemos que a situação antidemocrática, o negacionismo extremista e a direita ainda têm maioria no país, mas não por muito tempo. Humberto de Campos, famoso cronista paraibano, escreveu que, por suas vicissitudes e idiossincrasias, Campina Grande é o “centro de irradiação cósmica do universo” e, nessa condição, acreditamos firmemente que daqui sairá o exemplo para o Brasil retomar a esperança na democracia. Disposição, garra e vontade não nos faltarão para a luta!

*Olímpio Rocha é Advogado, Professor, Membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba e Candidato do PSOL a Prefeito de Campina Grande em 2020

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

 

Edição: Rogério Jordão