O Novembro Negro chega ao seu principal dia, quando celebramos a memória de Zumbi dos Palmares, líder negro e herói da Pátria brasileira. Dia em que exaltamos a cultura negra brasileira, sustentáculo do que somos hoje enquanto povo. Dia também em que é preciso reafirmar a luta antirracista em todos os espaços.
O ano de 2020 foi marcado pelo lema “Vidas Negras Importam”. Lema que influenciou derrotas do conservadorismo de extrema direita no mundo. Não podemos esquecer que essa luta também é fruto de lutas importantes, como as que geraram a criação do Estatuto da Igualdade Racial no Brasil e, principalmente, da versão do documento aprovada na Bahia, meu estado de origem. Ou mesmo a realização da Marcha das Mulheres Negras, realizada em Brasília há cinco anos. Mas o racismo ainda é elemento que estrutura violências e situações que desafiam a própria democracia.
Somos nós, o povo negro, que morremos nos morros e favelas, atingidos por balas que possuem endereço de cor. Somos nós que estamos amontoados em prisões, em um sistema carcerário que tira de circulação e elimina a população negra, cujo acesso à Justiça é precarizado. Somos nós que encontramos barreiras estruturais para se ter acesso à educação e ao emprego. Somos nós que estamos enfrentando a pandemia da covid-19 de peito aberto, por falta de saneamento básico e políticas de acesso à saúde.
O Estado não pode fechar os olhos a esta realidade. Para tanto, políticas afirmativas são fundamentais. Mas é preciso garantir que o orçamento da União contemple o financiamento das políticas necessárias.
Sou autor do Projeto de Lei Complementar 11/2015 que trata da Taxação das Grandes Fortunas. Muito se debate sobre esse tipo de tributação, que atinge a quem acumula bilhões de reais. Hoje, defendo que esta proposta financie o Fundo de Promoção da Igualdade Racial, já previsto no Estatuto da Igualdade Racial, promulgado ainda em 2010 pelo presidente Lula. E explico o porquê.
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O Brasil não será um país plenamente democrático se não vencermos as desigualdades sociais – que, de verdade, são raciais. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a proporção de pessoas pretas ou pardas com rendimento inferior às linhas de pobreza propostas pelo Banco Mundial foi maior que o dobro da proporção verificada entre as brancas.
Segundo a mesma fonte de dados, considerando a linha de 5,50 dólares diários, a taxa de pobreza das pessoas brancas era de 15,4%, e 32,9% entre as pretas ou pardas. A mesma pesquisa mostra que as desigualdades por cor ou raça também são vistas nas condições de moradia, seja na distribuição espacial dos domicílios, no acesso a serviços ou ainda nas características individuais das habitações.
O Censo Demográfico 2010 verificou que, nos dois maiores municípios brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro, a chance de uma pessoa preta ou parda residir em favelas e comunidades era mais do que o dobro da verificada entre as pessoas brancas.
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Se é o povo negro o mais atingido pelo desemprego e a precarização dos direitos fundamentais, a igualdade racial é política prioritária para a superação destas mazelas. E não adianta somente a boa vontade de muitos. Esta política precisa ser financiada e priorizada pelo Estado brasileiro.
E tal como o próprio Estatuto já prevê, o Fundo de Promoção da Igualdade Racial servirá para promover igualdade de oportunidades em educação e emprego; financiamento de pesquisas nas áreas de educação, saúde e emprego voltadas para a melhoria da qualidade de vida da comunidade afro-brasileira; incentivo à criação de programas e veículos de comunicação destinados à divulgação de matérias relacionadas aos interesses da comunidade afro-brasileira; incentivo à criação e manutenção de microempresas administradas por afro-brasileiros; concessão de bolsas de estudo a afro-brasileiros para a educação fundamental, média, técnica e superior; apoio a programas e projetos dos governos federal, estaduais, distrital e municipais e de entidades da sociedade civil para a promoção da igualdade de oportunidades para os afro-brasileiros; apoio a iniciativas em defesa da cultura, memória e tradições africanas e afro-brasileiras.
Não há dúvidas: levar a sério o fim das desigualdades sociais passa fundamentalmente pelo combate ao racismo!
*Valmir Assunção é deputado federal pelo PT da Bahia
**Artigo publicado originalmente no Mídia 4P
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rogério Jordão