Apesar dos espaços de poder no Brasil ainda serem dominados majoritariamente por homens mais velhos, ricos, brancos e heterossexuais, as eleições municipais deste ano deram uma sacudida nesse sistema historicamente excludente. Em diferentes partes do país, pessoas transexuais, mulheres negras, indígenas e quilombolas conquistaram vitórias sem precedentes em Câmara de Vereadores e até o comando de prefeituras municipais, incluindo votações muito expressivas.
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No caso da comunidade LGBTQI+, chamou atenção a eleição de dezenas de mulheres transexuais para ocuparem uma vaga na Câmara de Vereadores de importantes cidades. Em Aracaju (SE), por exemplo, Linda Brasil, do PSOL, foi a mais votada, obtendo 5.773 votos. A professora Duda Salabert (PDT) é travesti e obteve mais de 37 mil votos votos em Belo Horizonte (MG), em primeiro lugar entre os vereadores eleitos na capital mineira. Ao todo, 25 candidaturas trans foram eleitas no último domingo, um aumento de mais de 200% na comparação com as eleições de 2016, de acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
Em São Paulo (SP), outra mulher trans, Erika Hilton (PSOL), conquistou mais de 50 mil votos e, aos 27 anos, tornou-se a mulher mais votada entre os eleitos no fim de semana para a Câmara de Vereadores da capital paulista. Quem também ocupará uma vaga no parlamento paulistano é Tammy Miranda (PL), homem trans, filho da cantora Gretchen, que obteve mais de 43 mil votos com uma plataforma voltada para os direitos da população LGBTQI+.
Negras no Parlamento
A emergência de mulheres negras também foi um dos aspectos marcantes do pleito de domingo. Em Porto Alegre (RS), a vereadora eleita Karen Santos (PSOL ) foi a mais votada da capital gaúcha com 15.702 votos. Junto com ela, outras três mulheres negras também foram eleitas: Laura Sito (PT), Bruna Rodrigues (PCdoB) e Daiana Santos (PCdoB). Elas se somam ao jovem negro Matheus Gomes (PSOL), formando a bancada da representatividade racial na cidade.
Em Recife (PE), outra mulher negra, Dani Portela, também do PSOL, angariou 14.114 votos e foi a mais votada. Benny Briolly, de 29 anos, é mulher negra transsexual e assumirá um mandato na Câmara Municipal de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, com 4.458 votos. Quem também fez história foi a servidora pública aposentada Ana Lúcia Martins, eleita a primeira vereadora negra da história de Joinville (SC), cidade que fica a 177 km da capital Florianópolis (SC).
Em Curitiba (PR), a professora Carol Dartora foi a primeira vereadora negra eleita na história da cidade, e será colega de bancada do jovem advogado negro Renato Freitas, que defende as pautas da juventude e periferia na capital do Paraná.
Em Vitória (ES), outras duas mulheres negras foram eleitas entre as 10 candidaturas mais votadas na cidade: Camila Valadão (PSOL), na segunda posição com 5.625 votos, e Karla Coser (PT), sétima colocada com 1.961 votos. No Rio de Janeiro, Tainá de Paula (PT) foi eleita com 24.881 votos e ocupa a nona posição entre as mais votadas na capital fluminense. Em Cuiabá (MT), as mulheres negras serão representadas por Edna Sampaio (PT), a oitava candidata mais votada, com 2.902 votos.
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A onda antirracista e feminista também chegou ao Norte do Brasil. Em Belém (PA), a candidata negra Vivi Reis (PSOL) foi a quinta mais votada, com 9.654 votos na cidade.
Quilombolas e indígenas
Resultados históricos também foram obtidos por populações tradicionais nas eleições municipais, como as comunidades quilombolas. Em Cavalcante (GO), município que abriga a maior área quilombola do país, o Território Kalunga, Vilmar Kalunga foi eleito prefeito, um feito sem precedentes na história da comunidade. Em Alcântara (MA), Nivaldo Araújo, outro quilombola, foi como vice-prefeito.
Segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), outros 56 quilombolas foram eleitos em diversos estados do Brasil neste domingo (15) para cargos de vereador.
Dados preliminares do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que oito prefeitos de origem indígena foram eleitos no último domingo (15), no primeiro turno das eleições municipais. O numero já é maior que o registrado no primeiro turno de 2016, quando o total de índios eleitos prefeitos foi de seis, um crescimento de 33%.
Em Roraima, por exemplo, dois candidatos a prefeito indígenas foram bem-sucedidos nas urnas: Tuxaua Benisio (Rede) e Professor Jeremias (PROS) foram escolhidos prefeito e vice-prefeito por 42,49% dos eleitores em Uiramutã. Já em Normandia, Dr. Raposo, indígena Macuxi de 42 anos, foi eleito prefeito pelo PSD.
Em nota, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), informa que um total de 159 candidaturas de 47 povos indígenas haviam sido eleitas no primeiro turno das eleições municipais. São cargos nos poderes Executivo e Legislativo de 81 cidades de 21 estados, em todas as regiões do país.
Segundo a entidade, 2020 foi o ano de maior participação indígena nas urnas, com 2.177 candidatos nos 5.568 municípios do país, representando um aumento de 27% em relação às eleições de 2016. A própria Apib lançou a mobilização Campanha Indígena (@campanhaindigena), uma iniciativa para ampliar a representação indígena nos espaços de poder por meio da visibilidade e de suporte jurídico aos candidatos e candidatas.
Os dados parciais apurados pela campanha indicam que dos 159 eleitos, 145 são de indígenas eleitos para câmaras de vereadores, oito para prefeituras e seis para os cargos de vice-prefeitos.
Edição: Rogério Jordão