Na zona sul de São Paulo (SP), o Conjunto Residencial Santa Sofia II, uma herança do Programa Minha Casa Minha Vida Entidades, corre o risco de não sair do papel. A modalidade foi uma conquista dos movimentos de moradia e, no bairro Jardim Turquesa, deu a 192 famílias o direito de construir seus próprios projetos por meio de mutirão.
Na última quinta-feira (12), após se manifestarem em frente à sede da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, os futuros moradores afirmam que conseguiram encaminhar a aprovação do Termo de Compromisso Ambiental (TCA), que estava travado há mais de oito meses. Elas já haviam esperado mais de cinco anos pela autorização da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
"São famílias que têm a pior condição de trabalho e de renda, estão submetidas à pior forma de moradia. Gastam duas, três horas para chegar no trabalho e ainda participam de reuniões, e ainda participam de processos de formação, e ainda cuidam desse terreno, e ainda constroem a esperança", destaca a assistente social Cíntia de Almeida Fidelis, que acompanha a situação das famílias.
Com o TCA, o projeto seguirá para a aprovação da Secretaria de Municipal de Licenciamento (SEL). O receio é que o processo não se conclua até o prazo acordado com a Caixa Econômica Federal para a liberação da verba destinada à construção das moradias. É o que revela a advogada do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Juliana Avanci, que assessora as famílias.
"Até abril do ano que vem a gente tem que estar com todos os alvarás. A obra tem que estar apta à contratação, mesmo que não tenha ali a assinatura da segunda fase. Não temos mais como pedir excepcionalização à Caixa”, explica Avanci.
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A compra do terreno
A Caixa Econômica Federal adquiriu o terreno de forma antecipada em contrato firmado em abril de 2013, após as famílias apresentarem os projetos e estudos de viabilidade com o suporte da Assessoria Técnica Ambiente Arquitetura. Desde então, a posse da área está no nome do Movimento Habitacional de Ação Social (MOHAS), que organiza e mobiliza as famílias.
"É um desrespeito com a habitação de interesse social, porque com as construtoras não acontece isso. Construtoras conseguem aprovar seus projetos mais rápido e não é isso que acontece com os movimentos sociais", afirma Vani Poletti, coordenadora do MOHAS.
Apesar da espera, as famílias resistem, 90% delas são chefiadas por mulheres e vivem hoje no entorno do terreno, que está localizado dentro da bacia de Guarapiranga e vem sofrendo com tentativas de ocupações. A área é marcada por conflitos fundiários, que se acentuaram com o cenário de desemprego e pobreza impostos pela pandemia.
"Ansiosa para ver minha casa, está difícil, mas a gente está lutando. Aí a gente faz passeata, a gente faz atividades no terreno, atividades que vai ajudar a gente quando a gente já estiver aqui dentro", relata a moradora do bairro Jardim Turquesa Odete Abidon da Silva.
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Retrocessos
Em 2020, o déficit habitacional na cidade de São Paulo superou pela primeira vez na história a marca de 1 milhão de moradias, de acordo com estudos realizados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ao todo, 77 empreendimentos do Minha Casa Minha Vida estão parados no município, segundo a própria Secretaria Municipal de Habitação.
A nível nacional, com Jair Bolsonaro (sem partido) a frente da Presidência da República, o Ministério das Cidades e o Minha Casa Minha Vida foram extintos. Em substituição ao programa social de habitação, o governo federal propôs o Programa Casa Verde e Amarela via Medida Provisória, que aguarda aprovação no Congresso Nacional.
A proposta de Bolsonaro é amplamente criticada pelos movimentos, pois não prevê a construção de novas casas para a chamada “faixa 1”, voltada à população mais vulnerável.
"Este terreno [Jd. Turquesa] é fruto e resultado de uma política pública e de um governo, que a gente não tem mais. Não sabemos se de fato, o recurso para contratar a obra, no momento que a gente conseguir superar todas as aprovações, vai acontecer de fato", finaliza Fidelis.
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Outro lado
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente afirma que o projeto atende ao estabelecido na Lei 16.402/16 de uso e ocupação de solo, relativa à arborização do sistema viário e que, após a avaliação dos técnicos da SVMA, foi verificado que "não havia necessidade de TCA, uma vez que já existia autorização da CETESB para o corte de árvores, juntamente com a compensação ambiental".
A pasta argumenta também que "aguarda o envio, por parte da Associação MOHAS, de plantas do Projeto de Arborização do viário assinadas por profissional habilitado". Mas não informou o motivo da demora no retorno.
O Brasil de Fato entrou em contato também com a Secretaria Municipal de Licenciamento e com a Caixa Econômica Federal. A reportagem será atualizada assim que as respostas forem recebidas.
Edição: Marina Duarte de Souza