Na quarta-feira (18), dia em que a Câmara dos Deputados da Argentina aprovou a taxação de grandes fortunas, o tema “Tributar os super-ricos para investir na saúde pública” foi o assunto debatido em uma live promovida pela campanha nacional "Tributar os Super-ricos", apoiada por mais de 70 entidades.
“Os super-ricos criticam a presença do Estado, justamente o que garante a propriedade privada e que os deixa cada vez mais ricos. O cinismo é requisito para fazer parte da categoria dos endinheirados”, enfatizou o economista Paulo Nogueira Batista Júnior.
“O Brasil é um paraíso fiscal para os super-ricos”, resumiu o diretor-executivo pelo Brasil e outros países no Fundo Monetário Internacional entre 2007 e 2015 e vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017.
Há oito projetos prontos para serem pautados no Congresso Nacional que elevam a tributação de altas rendas e grandes patrimônios e reduzem impostos para os mais pobres e pequenas empresas. Se aprovados, taxam menos de 0,3% dos mais ricos e podem aumentar a arrecadação em quase R$ 300 bilhões por ano, quase o dobro do orçamento previsto para a saúde pública neste ano.
::Taxação dos super-ricos é a aposta dos movimentos sociais para superação da crise::
Na Argentina, o projeto aprovado taxa a fortuna de 0,02% da população e pretende arrecadar US$ 3 bilhões. A diferença é que no Brasil as propostas defendidas não se limitam ao Imposto sobre as fortunas e são de aplicação permanente. No país vizinho, essa cobrança aprovada pelos deputados será transitória.
A médica e deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB/RJ) não pode participar ao vivo da live por estar em plenário e enviou um vídeo no qual relatou itens de um pacote emergencial apresentado na Câmara dos Deputados corrigindo distorções na tributação: "Temos propostas concretas e somamos nossa energia a essa campanha justamente nesse momento tão crucial para salvar vidas.”
Classe média não pagará a conta
Paulo Nogueira ressalta ainda que a classe média facilmente se convence que é rica e que pode ser alvo de justiça tributária. “A classe média nunca viu um super-rico na vida! Ela já paga suficientemente e essas propostas não taxam esse segmento”, afirma o economista.
Integrante do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Getúlio Vargas Júnior, informa que esse fórum defende a tributação mais justa de quem mais tem para salvar vidas.
No Brasil, 75% das pessoas dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele destaca que boa parte do que é arrecadado no Brasil não fica para políticas sociais, e sim volta para os super-ricos. “Ganham duas vezes: o recurso que ganham não é tributado como deveria e o que é arrecadado volta para eles com a rolagem da dívida pública”, explica.
“Taxar as grandes fortunas é romper com cinco séculos de privilégios de grandes setores. Incidir sobre heranças, riquezas, petróleo e reverter em políticas sociais que neste momento estão sendo destruídas com medidas como a Emenda Constitucional 95, que congela investimentos por duas décadas, atingindo de morte os mais pobres”, conclui o conselheiro que integra o Grupo de Trabalho do CNS sobre Reforma Tributária.
Salvar muitas vidas taxando muito poucos
A riqueza total estimada dos 42 bilionários do Brasil é de aproximadamente R$ 600 bilhões. Com um imposto de 2% sobre essa fortuna daria para arrecadar R$ 12 bilhões por ano, valor suficiente para garantir o funcionamento de Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) para 267 mil pacientes infectados pelo novo coronavírus no país. Uma internação em UTI por covid-19 custa, em média, R$ 45 mil.
“Cinco pessoas têm mais patrimônio que 100 milhões de brasileiros. E ainda reclamam da tributação. No Brasil o sistema é inverso: se tira dos pobres para dar aos ricos”, registra o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS), Sandro Alex de Oliveira.
Para ele, o mundo vive uma encruzilhada onde o sistema de saúde é mais demandando pela pandemia e os Estados nacionais voltam a ter importância para socorrer as populações. “O SUS tem papel fantástico no combate à covid-19. É preciso tributar os super-ricos para financiar o sistema de saúde. Não há nada mais justo que cobrar aqueles que enriqueceram às custas da sociedade.”
Leão para os pobres, gatinho para os ricos
“O sistema tributário é dócil com super-ricos e penaliza a classe média e os pobres”, acentuou a presidenta da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam/CUT), Vilani Oliveira.
Ela enfatizou a exorbitância de miseráveis que cresce no país a partir da destruição recente de políticas públicas, especialmente na assistência social. "É necessário pressionar os congressistas para garantir que os recursos decorrentes da justiça fiscal sejam destinados às políticas públicas”, convoca. “Enganaram o povo com a narrativa de que a carga tributária é excessiva. Ela é pesada demais nos ombros dos trabalhadores e mais pobres!”
Compreender para defender
É unânime entre os debatedores a necessidade de traduzir em linguagem popular as propostas tributárias para que seja tema cotidiano de diálogo por impactar profundamente toda a população. “A pessoa que compra arroz no boteco paga o mesmo imposto que um super-rico, porque no Brasil se taxa o consumo”, explica Vilani Oliveira. “Isso permite que os pobres e a classe média compreendam que aprovar essas oito propostas reduzirá os seus impostos e terão melhor qualidade de vida.”
Todos os temas econômicos podem ser explicados ao grande público, enfatiza o professor Paulo Nogueira. Para ele, termos técnicos, jargões e ‘economês’ têm utilidade como síntese no ambiente administrativo ou acadêmico, mas podem ser traduzidos com simplicidade para que toda a sociedade entenda e se mobilize para promover justiça fiscal.
A próxima live da Campanha Tributar os Super-Ricos será com o tema Educação no dia 2 de dezembro, às 18h.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira