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Balanços e caminhos para a vitória a partir da eleição de 2020

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Os partidos, sem sombra de dúvidas, cumprem papel fundamental, pois são instrumentos organizativos que devem se reinventar taticamente para não perder o horizonte estratégico - Cyla Ramos / Fotos Públicas
Em médias e grandes cidades brasileiras, as esquerdas “saíram das cordas” e conseguiram reagir

O título tem um tom muito mais provocativo do que, de fato, assertivo. Seria uma heresia ou uma ambição desmedida cravar um caminho propositivo para a reação das esquerdas no Brasil, já a partir destas eleições municipais de novembro de 2020. Embora seja importante fazer um esforço analítico, ao apontar elementos que já estavam evidenciados, mas também foram negligenciados pela esquerda tradicional.

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Notou-se uma pequena diminuição quantitativa de municípios governados e com vereadores/as de esquerda no quadro geral. No entanto, esse fenômeno da diminuição também atingiu a maioria dos grandes partidos de direita. Por outro lado, em médias e grandes cidades brasileiras, as esquerdas “saíram das cordas” e conseguiram reagir.

Nota-se que essa recuperação traz também uma mudança no perfil dos candidatos/as eleitos/as, que se fortalece nos grandes centros urbanos e, possivelmente, se interiorizará nas próximas eleições. Essa movimentação permite refletir alguns pontos:

1. Corte geracional: a primeira lição que fica é que há um corte geracional que se evidencia e esses novos sujeitos trazem outras demandas para a arena política. É uma geração que não se contenta em ter o trabalhador, homem, de meia idade lhe representando na política. Vide o movimento “Black lives matter” nos EUA e seus efeitos no mundo globalizado. O burocratismo da máquina interna partidária do PT atropelou esses elementos em São Paulo.

Se realizou um processo eleitoral interno problemático, por privilegiar a militância petista e esquecer de aferir as impressões das pessoas fora desse nicho, ou seja, os eleitores/trabalhadores/as e as suas percepções em relação às pré-candidaturas. Não olhar para fora foi fatal, e parece que a leitura de não se antenar às novas demandas geracionais, valeria mesmo que o candidato escolhido tivesse mais expressão no cenário político, como no caso de Fernando Haddad.

2. Unidade: elemento cada vez mais imprescindível para derrotar o bolsonarismo e garantir alguma opção digna, inclusive, em apoios táticos à direita (e não “centro” como a Globo tenta reconstruir) contra candidaturas protofascistas. Uma esquerda sem uma força hegemônica deve ter maior capacidade dialógica e de articulação política para ser vitoriosa. O que ocorreu no Rio de Janeiro em contraponto ao sucedido em Recife e Belém são os grandes exemplos disso.

A histórica fragmentação da esquerda no Rio, mais uma vez deixou claro que a unidade não é uma opção para os cariocas, é um pressuposto. Principalmente, em se tratando de uma cidade com parte do território controlado por milícia e uma política neopentecostal entranhada na vida do povo. A unidade das esquerdas nas outras duas cidades citadas (cada uma encabeçada por um partido de esquerda) foi fundamental para dar um gás nesse segundo turno. Sem a unidade não haverá vitória possível em 2022.

3. Multirrepresentatividade: nessas eleições tivemos vários indígenas que se tornaram vereadores/prefeitos, quilombolas, transgêneros com votações recordes, mandatos coletivos exitosos, candidaturas feministas, juventude entrando forte na disputa, realidades para além da classe, mas que certamente afetam a própria classe. Trata-se aqui de uma multirrepresentatividade crítica e não, meramente, instrumental, tampouco de identitarismo, mas vivências que sofrem opressões com base material relacionada ao nosso sistema.

Diante de tantas experiências ricas e de impacto, ter na maior vitrine política do Brasil, São Paulo, uma chapa petista que apresenta para a disputa dois homens brancos (prefeito e vice), desde o início se demonstrou débil (não só por esses motivos), e aponta, no mínimo, falta de sensibilidade em relação ao real, uma negligência do PT e dos movimentos apoiadores dessa candidatura. Por mais valorosos que sejam os camaradas, essa opção foi o mesmo que tapar os olhos para as demandas, inclusive de representatividade da esquerda e, mais do que isso, para o que é a realidade/diversidade do povo brasileiro, como já ensinou Darcy Ribeiro, em sua obra clássica “O povo brasileiro”.

4. Comunicação criativa + trabalho de base: neste ponto a campanha de Guilherme Boulos do PSOL conseguiu ser receptiva, sem perder a firmeza programática. O uso original das redes sociais tal como num reality show, gravando 24 horas ininterruptas do cotidiano do candidato ou as respostas bem-humoradas aos ataques na internet no programa “Café com Boulos” é um exemplo.

Da mesma forma que se dá a conexão de Manuela D´Ávila em suas redes lidando com desenvoltura e ironia frente aos “haters” da rede social. As esquerdas não têm outra opção, a não ser se debruçar na compreensão da linguagem desses instrumentos virtuais usados e agregá-las ao trabalho de base, concreto, que também foi escanteado por algum tempo.

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Os partidos, sem sombra de dúvidas, cumprem papel fundamental, pois são instrumentos organizativos que devem se reinventar taticamente para não perder o horizonte estratégico. A falta do partido talvez explique as patinadas eleitorais de Bolsonaro em 2020 e a o seu personalismo batendo em um teto, que poderá dificultar o crescimento do bolsonarismo. Está dada mais uma oportunidade para a classe, também através dos partidos, se reinventar diante de um inimigo explícito e chegar, mais diretamente, no diálogo com o povo.

Certamente, o que se tem até agora são alguns indicadores eleitorais, após os resultados do primeiro turno das eleições. Existem outros elementos que entram nestas disputas, embora não restem dúvidas que devemos estar atentos a estas mudanças de perfis, para não ficar pregando pra convertido, nem nos distanciarmos do que os tempos contemporâneos pedem.

O artigo foi inicialmente pensado em caminhos para as esquerdas, mas, ao fim dele, percebi que são caminhos que a direita também se atentou e tentará percorrer. Cabe às forças populares não os negligenciar, mais uma vez, e dar sentido de totalidade a essas várias pautas e realidades atravessadas pelo capitalismo.

Edição: Rogério Jordão