Entrevistaço

“O humor tem que pegar no pé dos poderosos”, diz Edgar Vasques, pai do Rango

O mais faminto personagem de quadrinhos, Rango, completa meio século de história e o Micuim entrevista o pai da criança

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Terceira edição do suprimento de humor do Brasil de Fato RS traz Edgar Vasquez na capa - Arte sobre foto de Tania Meinerz

Com 53 anos de prancheta, Edgar Vasques não quer nem saber: desenha todos os dias, quer lhe paguem ou não, quer lhe editem ou não. Tem quatro livros em produção, um deles especulando a gênese da pandemia. Se o pagamento nunca foi lá essas coisas, a consagração é outra conversa. Por conta do Rango e da fome, Erico Verissimo o comparou a Josué de Castro.

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“É uma medalha que trago no peito”, jacta-se o chargista, cartunista, quadrinista, caricaturista e ilustrador que nasceu Edgar Luiz Simch Vasques da Silva há 71 anos em Porto Alegre. Só do Rango são 17 livros publicados, sem contar as HQs de outras temáticas e de grande apuro gráfico. Com a turma do Micuim, ele trata de seus percalços na ditadura, do peso da escravidão na gestação do bolsonarismo, da bajulação da mídia diante do agronegócio, da volta da fome e do humor que bate no mais fraco.

A entrevista foi destaque de capa na terceira edição do jornal Micuim - suprimento de humor do Brasil de Fato RS. Confira:

Katia - Como está nesse momento de pandemia fazer humor?

Edgar Vasques - No momento de pandemia estou mal, mas acostumado. O humor está no ambiente todo, basta pinçar algum tema e que ele já vem ridículo do jeito que as coisas estão.

Fraga - Eu queria saber do Edgar o seguinte: em Porto Alegre, o livre espaço de expressão de bons chargistas, cartunistas e humoristas, é o jornal Extraclasse. Não por acaso ele reúne o Edgar, o Santiago, o Rafael Côrrea, o Sica, o Verissimo e eu. Então por que o mercado enxugou tanto?

Sempre foi problemático. A perda de espaço do chargista corresponde à perda de espaço da imprensa como um todo. Estou fazendo 53 anos de carreira profissional. E o que assisti nesse tempo todo foi uma monopolização e uma diminuição dos espaços do jornalismo em geral.


Uberti

Centeno - O teu personagem, o Rango, está completando 50 anos na pindaíba. Vivia numa lixeira catando coisas para comer e tal. Como o Rango sobrevive hoje com a disparada do feijão, do arroz e dos produtos da cesta básica?

É, o lixo alimentar está rareando também. O Rango talvez seja o personagem mais antigo do cartum brasileiro ainda em atividade e isso é sintomático. Algumas pessoas, ali pelos anos 1980, começaram a refugar o Rango: “Ah, isso aí já passou, não existe mais espaço para tu ficar denunciando a fome”. Bom, infelizmente existe espaço.

Centeno - Ele causa mal estar?

Causa. A ideia desde o início foi essa: causar um mal estar. Na época em que comecei com o Rango, a fome era um caso de polícia. O miserável que ia reclamar tomava pau. Me criei vendo a marginália no centro. É o substrato da criação do Rango.

No começo, eu falava da fome. Infelizmente, 50 anos depois, o Brasil volta para o mapa da fome. Então, o Rango continua se justificando, e não só para falar da fome. Por trás da fome, tinha as causas do fenômeno que residem na própria composição social e política do país. Comecei a falar disso. O Rango não trata mais só do estômago roncando. Trata da política, da sociologia, do país.

Fui acusado de estar a serviço de potências estrangeiras

Katia - Em 1974, no prefácio do teu livro, o Erico Verissimo te comparou ao Josué de Castro. No humorismo, serias o que Josué de Castro era na sociologia. Como recebestes esse elogio?

O Erico estava dando um recado sobre a ditadura, a censura, a repressão. É uma medalha que trago no peito. Eu lia o Josué de Castro. Foi um cara que pegou o problema da fome e jogou um foco científico em cima. Mostrou que fome é essa, o que a carência alimentar faz em termos de saúde pública e individual.

Stela – O Rango também te levou para a Polícia Federal...

O Ziraldo me convidou para publicar no Pasquim. Comecei a fazer semanalmente para o Pasquim seis tiras. Foi quando chegou a semana da pátria de 1977.

A ditadura criou uma imagem de três pombinhas, cada uma com uma cor da bandeira do Brasil. É a época do “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Fez essas pombinhas e eu via a fome na rua todo dia. Aí eu fiz o Rango churrasqueando as pombinhas (risos)...

Fomos acusados de estar a serviço de potências estrangeiras. E os caras do Pasquim de receber dinheiro para manchar a imagem do Brasil. O pessoal do Pasquim tirava sarro: “É o ouro de Uganda, o Idi Amin está nos comprando”.


Fernandes

Centeno - No caso do Pasquim devia ser uísque pelo que entornavam. Devia ser (o ouro) da Escócia...

O ouro líquido da Escócia. Foram indiciados o Jaguar como editor e eu como autor. O (advogado) Eloar Guazzelli era o defensor dos censurados. Fui com a sócia dele para depor. Aí ela disse: “Vai começar o teu interrogatório e vou embora”... Eu disse não, pera aí (risos). “É uma estratégia. Se acontecer alguma coisa, vou alegar que não estava presente” (risos).

Daí chega a dupla Bessa e Machado. Bessa era um baixote, sem pescoço, orelhas enormes, braços compridos. Uma figura caricatural. E o Machado era o contrário. Era um velhinho de bigode branco, sandália, camisa para fora da calça, muito à vontade. E o Bessa era sério.

Aí começou o interrogatório. Ele folhava o Pasquim e me perguntava “Esse Geraldo, o senhor conhece?” Geraldo? Era o Ziraldo. O Pasquim tinha uma sessão, a Ping-Pong. Ping era o desenho original, Pong era o plágio, uma sessão que dedava os plágios. “E esse Ping o senhor conhece?” Ping? Ele achou que era um chinês infiltrado, sei lá...

“O senhor não acha que o Pasquim é prejudicial à juventude?” Olha, delegado, não saberia dizer, porque eu não tenho dados para responder. Aí, o Machado diz: “O senhor vê delegado, a gente passa a bola para ele e ele não pega”, querendo enrabar o Pasquim (risos). E o delegado: “Não mete o bedelho, Machado” (risadas).

O promotor que deveria oferecer a denúncia tinha duas possibilidades: a Lei de Imprensa ou a Lei de Segurança Nacional. Chegou no promotor da lei de imprensa, o cara olhou e disse: “Pô, isso aqui é uma besteira!” Aí, foi pra Lei de Segurança Nacional. E o cara: “Pô, mandaram para mim esse abacaxi”. Ninguém ofereceu a denúncia. Não tinha os malandros da Lava-Jato para inventar uma denúncia. Os caras ainda eram ingênuos.

Não existe povo mais novidadeiro que o brasileiro. Agora, lá em baixo, ele é conservador

Stela – Tu e o Rango imaginavam chegar nesse momento em que a gente se encontra no Brasil?

Ninguém esperava. Foi uma grande mancada da direita. Acabou abrindo a brecha para a extrema-direita. Mas, na época, não se podia saber que aquela iniciativa safada do Aécio Neves de denunciar a eleição da Dilma ia acabar em uma queda de dominó. E chegando no Bolsonaro, uma figura obscura encapsulada no Congresso, dizendo as besteiras dele.

O que a gente aprendeu com isso foi uma lição muito dura, mas útil como toda lição. Anos de subalternidade, tanto da população, quanto das elites, a um sistema estupidamente injusto, não podem criar um povo consciente. As pessoas que se identificam com o Bolsonaro se identificam da forma mais rasa. O Brasil é um país acostumado a subalternidade desde o processo da escravidão. E não é só isso.

O brasileiro foi criado pisoteado. Sempre tinha um senhor de baraço e cutelo, de forca e espada na mão sobre nós. A gente aprendeu a ser sutil, disfarçado. O brasileiro não diz as coisas diretamente. Quando diz é considerado grosso. O bacana é descobrir sem perguntar. Criou uma dicotomia muito estranha. Não existe povo mais novidadeiro que o brasileiro. Agora, lá embaixo ele é conservador. Não é evoluído, não é aberto. É homofóbico, racista, misógino. E todas as tentativas para educá-lo tem tido um sucesso muito relativo. Assim é que chegamos nesse ponto.

Castelo - Os historiadores dizem que o período com menos humor da história foi a idade medieval. Como a gente aqui no Brasil aparentemente está voltando à idade média, você acredita que os humoristas têm alguma chance de extinção?

Não sei se a idade média foi tão séria assim. Tem grandes autores que são dessa época, como o (Giovanni) Boccaccio, que tiraram seu sarro.

Quanto mais merda, mais a gente chafurda

Castelo - Eu me referia não propriamente a autores - tem o Bocage, que é de um humor incrível - mas mais em relação à igreja que considerava a comédia, como tem lá em O Nome da Rosa, um elemento diabólico. Associava o humor a essa coisa dos infernos.

Estamos correndo o risco do pensamento religioso se tornar hegemônico novamente. Aquela igreja que vendia indulgências e que causou a reforma, hoje está vendendo tudo e ninguém vem fazer a reforma. Os reformados é que estão fazendo isso. As igrejas de confissão pentecostal e protestante, em princípio, é que estão vendendo tudo e tirando a grana da população. Corremos esse risco, mas (nós) os humoristas, quanto mais merda, mais a gente chafurda.

Hals - Temos chance de sair desse buraco? Esse nosso período de trevas começa com o golpe contra a Dilma porque começou a funcionar todo esse fundamentalismo fascista aliado à questão de fake news.

A diferença entre as fake news toscas da mamadeira de piroca e a Rede Globo, por exemplo, é que a Globo é profissional da fake news e esses caras são amadores. Quem acostumou o brasileiro a aceitar fake news foram as grandes mídias.

Mas, sim, tenho esperança. Porque a gente fez aqui uma narrativa sobre o povo brasileiro que apontou defeitos estruturais, mas o povo brasileiro tem qualidades estruturais. Tem criado uma cultura de altíssima qualidade, estudada e imitada por artistas de primeiro mundo. Antes dessa reação bárbara, tivemos um momento iluminado em que o Brasil começou a dar lições para o mundo. O que a direita fez para tentar deslocar a centro-esquerda, que vinha em muitos aspectos redimindo o Brasil - isso é inegável para quem desapaixonadamente olha os fatos históricos - foi o que esses fazendeiros estão fazendo no Pantanal. Atearam um incêndio que agora não conseguem controlar.

Quem acostumou o brasileiro a aceitar fake news foram as grandes mídias

Fraga - Com toda essa plataforma das redes sociais, por que tu és tímido dentro disso? Tens uma capacidade de influir imensa e não está sendo usada. Por que não atuas nas redes?

A resposta humorística seria que sou como um juiz das antigas, eu me manifesto nos autos, ou seja, nas charges. A resposta real é que sou uma pessoa tímida. Essa carranca é uma fachada. Tudo que faço é quando não aguento mais ficar quieto. Quando vejo grandes injustiças eu reajo.


Alisson

Fraga - Mas quando eu me refiro a tua ação, é sobre expor as tuas charges em uma rede. Não é falar, atuar. É o teu trabalho ter uma vitrine.

Não sei se teria paciência. Não vou passar o resto do meu tempo respondendo cada asneira que vai vir pela rede.

Centeno - Falastes como a injustiça te move e te comove. A injustiça, que levou muitos a essa profissão, parece hoje completamente alheia. As redações deixaram de se comover com a injustiça?

No que diz respeito às redações, existe (aquele) ponto de inflexão, quando a RBS criou os replicantes. Pegava os jovens que tinham saído da faculdade, onde tinham uma formação crítica, e formatava-os para seu uso. Foi ensinado nas últimas décadas pela hegemonia do neoliberalismo, onde o capital tem todos os direitos e o trabalho nenhum. Estamos vivendo nesse momento no Brasil e este é o motivo profundo do golpe: a retirada vertiginosa de todos os direitos trabalhistas.

Este é o motivo profundo do golpe: a retirada de todos os direitos trabalhistas

Kátia - Dentro dessa questão das redações, queria que resgatasses a tua história com o Coojornal, uma cooperativa de jornalistas, na década de 1970, durante a ditadura militar. Foi um espaço também desse jornalismo combativo que a gente está tentando fazer com o Brasil de Fato, com o Micuim também. Parece que os jornalistas estão desempregados e não sabem o que fazer a não ser trabalhar em uma redação. Não tem a ousadia de criar um veículo de comunicação...

É muito mais difícil criar uma estrutura como o CooJornal se tu estás partindo do zero. O CooJornal nasce na Folha da Manhã, de jornalistas que participaram de um esforço antissistema. A Folha da Manhã era um jornal que furava a unanimidade da grande mídia. O pessoal que saiu dali teve a ousadia de pensar uma estrutura diferente, um jornal que não tivesse um patrão, baseado em experiências como a do Le Monde, na França. A estrutura cooperativa é uma alternativa ao capitalismo, porque na assembleia cada participante é um voto, independente do capital que ele tenha colocado no empreendimento, ao contrário da sociedade e ações capitalistas.


Gilmar Fraga

Castelo - Queria te perguntar usando aquele famoso questionário Proust, o que mais você valoriza em um ser humano?

Talvez o que seja mais importante no ser humano para mim seja o conjunto das suas aptidões. Acho que a poesia e o humor têm muito a ver tanto é que a linguagem do humor está muito ligada a certas produções poéticas e, às vezes, o humorista faz uma coisa lírica sem querer. O Mario Quintana era um grande humorista. Resolveram fazer um busto para ele de bronze lá no Alegrete, terra dele, e perguntaram o que ele achava. E ele disse: “Um erro em bronze é um erro eterno”. Ali ele funcionou como um humorista...

Hals - O teu trabalho tem que estar sim online. Qual a perspectiva de vir para rede? Venha para rede você também, vem.

Não sou um completo eremita. Mando toda semana um desenho para 250 pessoas. E várias dessas pessoas me fazem o favor de replicar isso e colocar nas redes.

Meu plano é continuar desenhando quando não aguento mais as barbaridades e colocando para essa rede pessoal. Uma coisa que preocupa muito é essa lavagem cerebral que o agronegócio tem feito. Todas as redes da grande mídia estão babando o ovo, sem trocadilho, do agronegócio. A Globo está agarrada no agronegócio porque o dinheiro do governo secou. Agro é pop, agro é tudo. Entretanto, o agronegócio só é bom para aquela minoria que exporta em dólar. Quem alimenta o país é o pequeno e médio agricultor. Nenhuma mídia deu a notícia, a não ser o Sul 21, uma mídia alternativa, que o MST está distribuindo toneladas de alimentos gratuitamente para parcelas da população.

A Globo tem um quadro no Jornal Nacional que são as empresas colaborando com a população durante a pandemia. Não se dignaram a fazer essa matéria (a da iniciativa do MST), porque essa matéria é o anti-agronegócio. É a história de quem realmente alimenta a população.

As redes da grande mídia estão babando o ovo, sem trocadilho, do agronegócio

Centeno - Só para fazer um reparo no que dissestes: o Brasil de Fato tem dado muitas matérias sobre isso (a partilha dos alimentos pelos assentados da reforma agrária). Na verdade, a Globo criou um espaço para seus anunciantes mostrarem como suas empresas são legais, bacanas... O general Alberto Heleno andou se queixando das ONGs que estariam “manchando a imagem no Brasil no exterior”. Não tens uma sensação de déjà vu? É o que diziam os militares sobre quem questionava a tortura, os assassinatos…

Esses caras ficaram no passado. Não se passou a limpo a ditadura. Aí, ela voltou com tudo, inclusive com as teses. Só que as teses são problemáticas. Não temos mais a guerra fria. E o competidor do capitalismo é o maior importador do produto brasileiro. Não podem esculhambar a China, como esculhambavam a União Soviética, porque a exportação para a China é duas vezes a exportação para os Estados Unidos.

Fraga – Para o público do Micuim que não sabe bem quem é o Edgar: como é um dia típico teu na prancheta, quais as tarefas que te dão maior prazer e quais te trazem maior compensação financeira?

Que me traz compensação financeira é o INSS. Sou um aposentado do salário mínimo. Vou desenhar se me pagarem ou não. É assim que eu tenho vivido. Meu método de trabalho é na caixa preta. Pego um papel qualquer, vou rabiscando as ideias que me vêm e atento a qualquer dica que o ambiente me forneça.


Luciano Lima

Katia - Tu nos contou uma história que acho bacana, que é a tua participação no início do projeto Tamar…

O projeto Tamar, que protege as tartarugas marinhas é extremamente bem sucedido. Teve o apoio da Marinha e hoje tem da Petrobras. Começa com uma turma de estudantes de oceanologia de Rio Grande, nos anos 1970, que em uma viagem descobriram o Atol das Rocas. É o único atol, recife circular de coral, do Atlântico Sul. Fizeram um grupo e me convidaram para ir junto porque era amigo deles.

Falei para o meu pai e ele se apavorou. “Os tubarões estão de guardanapinho para te almoçar”. A minha mãe só disse assim “Te cuida, meu filho”. Eu fui.

Eram dez rapazes e oito moças, fora a tripulação do barco que nos levou, que eram pescadores. Uma noite começa uma gritaria de “Socorro, assassino!” Era uma das gurias da expedição que vira os pescadores, virando as tartarugas gigantes e degolando. E as tartarugas estavam ali porque tinham ido desovar. Das dez que eles tinham virado, sete a gente salvou. Ninguém sabia que as tartarugas marinhas desovavam no Brasil. Aprendiam na faculdade que desovavam na Flórida. Alguém teve a ideia de criar um programa que protegesse a desova. Porque ali apareceu não só a desova, mas a predação. As duas ideias juntas geraram o projeto Tamar, que só se estabelece em 1980. No ano que vem, em fevereiro, vai ter uma comemoração chamada Madrugada Iluminada. Vai ser o relato desse episódio para o qual eu inclusive já fiz o cartaz.

Stela - O que fazer já que há muita dificuldade em conscientizar o sapiens de que ele está matando a si mesmo e não está fazendo muita coisa para preservar essa sua casa?

Somos uma espécie que está no planeta como as outras. Se a gente criar condições para desaparecer como espécie, a natureza vai adiante. Estou na 17ª página em nível de esboço de uma história chamada O Chamado, que trata disso. Dois cientistas se internam nos Andes para achar a resposta sobre o motivo da pandemia. São conduzidos por um índio quéchua que, além de guia, é um xamã. Vão conversar com a natureza e descobrir porque está rolando tudo isso.

Castelo - Qual conselho você daria para um cartunista que está começando agora?

Ele não pode desprezar o acúmulo humano na atividade. Ando sempre com um caderno, sempre desenhando, sempre olhando, sempre coletando tipos, expressões, movimentos. Também recomendo isso. A linguagem humorística tem uma vantagem sobre as outras narrativas: é extremamente popular. Mas a gente tem que ter a consciência da força dessa linguagem e não usá-la para bater no caído, no mais fraco. O humor brasileiro é muito bullying. Goza o português, a sogra, o viado, o baixinho, o gago. Vai estigmatizar por uma condição, uma carência. É uma forma infantil, meio covarde.

Existem duas maneiras de usar o humor. Pode-se usar para manter o status quo. É isso que faz a piada de boteco. Mantém o racismo, a homofobia, o machismo, a misoginia, o conservadorismo. E tem o uso do humor para esclarecer. Pega no pé do poderoso, cobra, esculhamba o safado que está te roubando etc. É a melhor forma do humor servir ao meio social.


“O humor brasileiro é muito bullying. Goza o português, a sogra, o viado, o baixinho, o gago” / Fotos de Tania Meinerz

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Ayrton Centeno