Em três semanas, cerca de 20,7 milhões de venezuelanos estão convocados a votar no Poder Legislativo do país, que é formado apenas por uma Casa e renovado a cada cinco anos. Esse processo passou por uma série de negociações em mesas de diálogo entre governo e oposição e marca um ponto de inflexão na conjuntura política do país.
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Na última legislatura (2015-2020), a oposição de direita unificada na Mesa de Unidade Democrática (MUD) ocupou 112 cadeiras, enquanto o Grande Polo Patriótrico Simón Bolivar (GPP), aliança governista, elegeu apenas 55 parlamentares.
Por ter empossado seis deputados que tiveram suas candidaturas impugnadas, o Parlamento atua em desacato com a Justiça há cinco anos. Nesse período, as funções do Legislativo foram cumpridas pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e pela Assembleia Nacional Constituinte (ANC), a partir de 2017.
Agora, serão abertos 66% de cargos a mais, com um total de 277 cadeiras. Outra informação importante é que 90% dos 14,4 mil candidatos são opositores de direita ou de esquerda.
Para aproximar o cenário político, econômico e social da Venezuela prévio às eleições legislativas de 6 de dezembro, o Brasil de Fato irá entrevistar as principais alianças que concorrem à Assembleia Nacional.
Começando pela chapa inscrita pelo lado chavista, que aglutina o partido governante, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), e outras oito organizações do campo chavista (MEP, PPT, UPV, Somos Venezuela, Podemos, ORA, Tupamaro).
O Grande Polo Patriótico inscreveu 517 candidatos, sendo 421 psuvistas, na sua maioria jovens e militantes de movimentos sociais, que representam 30% das candidaturas, segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
O Partido Pátria Para Todos (PPT) é o segundo com maior peso, com 13 candidaturas, seguido dos Tupamaros com 11 inscritos.
Num cenário de crise econômica, com uma depreciação da moeda nacional de cerca de 500.000.000.000% (500 bilhões por cento), nos últimos cinco anos. Além de 33 meses de hiperinflação induzida, que provocaram que o salário mínimo atual seja equivalente a menos de um dólar por mês, segundo o cambio oficial, a aliança governista se propõe a ser a mudança para o Parlamento, hoje com maioria opositora.
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"Nós propomos o resgate da Assembleia Nacional. Utilizaram esse espaço para pedir uma intervenção em nosso país, para saudar, felicitar e solicitar mais sanções, que, na realidade, são medidas unilaterais contra o povo, para roubar nossos recursos naturais, para roubar nossas riquezas no exterior e servir a mesa ao imperialismo estadunidense a favor da ingerência e da intervenção", declara Gladys Requena, que é a 18ª entre 96 candidatos da lista nacional do PSUV à Assembleia.
Lei antibloqueio
A parlamentar foi uma das constituintes que aprovou a lei antibloqueio, proposta pelo presidente Nicolás Maduro, no começo do mês de outubro.
A legislação gerou uma série de críticas, inclusive dentro do chavismo, porque, entre outras coisas, dá mais poderes ao Executivo de privatizar fontes de recursos naturais e de gerenciar os ativos sem passar pela aprovação do Parlamento, sob a justificativa de arrecadar mais fundos para os cofres públicos.
Para os psuvistas, o dano ao salário faz parte do ataque de grandes potências internacionais. Por isso, a aliança patriótica afirma que a situação de crise econômica poderá ser superada, por meio desta legislação.
"A partir da lei antibloqueio e um grupo de mecanismos, que nos permitam aumentar a produção nacional, garantir que Venezuela possa importar e exportar, resolveremos a questão econômica nacional", assegura o candidato Pedro Infante, que é ex-ministro de Esporte, um dos mais jovens ministros da história do país.
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Um dos pilares da campanha de Infante é a inclusão da juventude na dinâmica econômica e política do país, através de programas de criação de emprego e incentivo ao esporte e ao lazer.
"Temos que nos incorporar em processos produtivos, garantir estabilidade política, paz no país, algo que permita reconhecer todos os atores, pensamentos, ideias que existem no nosso país e que possamos, sem problemas, debater, contrapor ideias para propor ao país", afirma.
Aliança Nacional
O PSUV também propõe uma aliança nacional para recuperar a indústria petrolífera e alavancar na produção nacional, depois de uma retração de 60% do PIB, desde 2015.
"Nesse espírito de acordo nacional, que seguramente vai imperar no próximo período, apelar ao coração desse empresário nacional patriota ou desses empresários de outras partes do mundo que também honram as vontades dos povos", assegura Gladys Requena.
Por outro lado, o Grande Polo lançou uma consulta nacional na sua plataforma Ven Vamos Juntos para que os cidadãos pudessem sugerir propostas aos legisladores. O movimento faz parte do "parlamentarismo de rua" que o PSUV propõe implementar.
Até o momento, foram divulgadas 12 propostas, impulsionadas pelo presidente Nicolás Maduro. Entre elas, leis de água, gás, sistema de cuidados e desenvolvimento sustentável.
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A constituinte Gladys Requena reconhece que parte do mau funcionamento dos serviços públicos se deve à burocracia e possíveis casos de corrupção, por isso propõe a Lei de Economia Digital, para incentivar o uso de criptomoedas e de transparência da administração pública.
Democracia
Apesar dos resultados das pesquisas realizadas pela consultora Datanálisis, empresa vinculada a setores econômicos de direita, apontarem que 80% dos eleitores do PSUV consideram ruim a situação atual do país, os psuvistas apostam na vitória e na participação massiva da população.
A simulação das eleições do dia 25 de outubro contou com participação de cerca de 30% do eleitorado. No próximo domingo (15), um novo exercício será realizado para estimular o voto, que é facultativo na Venezuela.
"O povo da Venezuela dará uma lição nessas eleições ao mundo. Uma lição de consciência, de capacidade organizativa, de capacidade mobilizadora e conexão com um projeto. Por isso, acredito que teremos uma grande mobilização nacional no próximo 6 de dezembro", declarou Requena.
Já se os opositores ganharem, o candidato Pedro Infante assegura que a derrota será reconhecida.
"Em primeiro lugar, sempre reconhecemos. Na Venezuela, foram realizadas 24 eleições e nós perdemos duas, e reconhecemos as duas. Em segundo lugar, vamos seguir com o povo na rua, nos organizando", afirma.
Comunas
Para movimentos populares organizados nas comunas, que inscreveram 18 propostas pelo PSUV, a iniciativa referendada por Maduro é de criar uma lei que regulamente o parlamento comunal e respalde a criação de cidades comunais.
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"A organização do poder popular não é uma tarefa de campanha. É uma tarefa permanente da Revolução Bolivariana", assegura Pedro Infante, citando Robert Serra, outro jovem deputado chavista morto em 2014, durante as guarimbas – atos opositores violentos.
Para Gladys Requena, os legisladores também devem promover a criação do Estado comunal e avançar na superação do atual modelo econômico.
"A Assembleia Nacional deve ser nessa nova etapa um espaço para transcender, de maneira definitiva, na propulsão de um modelo econômico que rompa com o rentismo petroleiro, que garanta a diversificação da economia e que permita que possamos romper, através da produtividade e da produção, as correntes que ainda nos atam ao capitalismo", declarou a candidata.
Edição: Marina Duarte de Souza