Davi Vittorazzi, Michael Esquer*
Com uma população de 42.538, Mato Grosso é o sexto estado com a maior concentração indígena do país, segundo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar dessa realidade, a sub-representatividade dos povos originários de Mato Grosso nos espaços de poder chama a atenção quando observamos a participação de indígenas na política.
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O número de candidatos autodeclarados indígenas do estado aumentou nas eleições municipais de 2020, em comparação com o pleito de 2016. No entanto, ainda não chega a um por cento do número total de candidaturas registradas em Mato Grosso. Os dados constam de um levantamento feito pela Agência Focando, com base no sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De acordo com a análise, os indígenas do estado de Mato Grosso somam 125 candidaturas, um aumento de 66% em relação ao último pleito municipal, que contava com 75.
"Nós temos que falar por nós mesmos, porque quem sabe da nossa realidade somos nós”, conta à reportagem a candidata ao cargo de vereadora em Campinápolis, Samira Tsibodowapre. Samira é do povo Xavante e filha do ex-vereador Jeremias Xavante, uma das primeiras lideranças do seu povo a se candidatar ao cargo que ela agora concorre.
O município da candidata, de acordo com levantamento do Instituto Socioambiental (ISA), é o que concentra a maior população Xavante do estado de Mato Grosso. Das nove Terras Indígenas (TI’s) — territórios tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e regularizadas pelo Poder Público — da etnia, três estão em Campinápolis.
“Meu pai teve dois mandatos aqui em Campinápolis, onde ele deixou um grande legado aqui no município, principalmente para o nosso povo. Diante disso eu assumi essa responsabilidade de dar continuidade a essa luta para que nós possamos assumir esses espaços de tomada de decisão, para que nós mesmos pudéssemos falar por nós”, conta Samira.
Segunda a indígena, que é filha mais velha, o desafio de ocupar o poder legislativo municipal foi motivado pelo pai, que faleceu em 2018, mas também pela necessidade de políticas públicas voltadas para o seu povo em Campinápolis. Samira conta que organização é ferramenta importante para que os indígenas consigam alcançar representatividade dentro dos espaços políticos.
Candidato de primeira viagem, Tairone Karajá, do povo Karajá, concorre também ao cargo de vereador na cidade de Luciara (a 1.023 Km de Cuiabá) no nordeste do estado. Uma cidade com pouco mais de 2 mil habitantes. “Me sinto preparado para contribuir com a minha comunidade”, diz o candidato sobre sua motivação de candidatar nas eleições de 2020.
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Com formação em políticas públicas, Karajá têm como propostas o desenvolvimento através do empreendedorismo, o fortalecimento da Universidade do Estado de Mato Grosso e o trabalho junto com a sua comunidade. “Busco fazer um trabalho de parceria entre as comunidades iny Karajá para melhorar o desenvolvimento da sustentabilidade alimentar e geração de renda com incentivos para a revenda de produtos de beleza e roupas dentro das comunidades. A criação da casa da Cultura indígenas no município de Luciara para revenda dos artesanatos indígenas”, contou à reportagem.
Aumento e disparidade
O aumento da participação de candidatos autodeclarados indígenas este ano representa um avanço da participação indígena no processo democrático em Mato Grosso, mas ao mesmo tempo também expõe uma disparidade quando comparamos esse número com o total de candidaturas registradas no estado, 12.839, e constatamos que as candidaturas indígenas representam apenas 0.97% do total.
Em Mato Grosso, os partidos com maior número de representantes no Legislativo federal e estadual, carregam a maior parte de candidaturas indígenas. O Democratas (DEM), o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o Partido Social Cristão (PSC) e o Partido Social Democrático Brasileiro (PSDB), grupo de partidos de centro e direita, contam 47 candidaturas indígenas . O Partido dos Trabalhadores (PT) junto com o Partido Democrático Trabalhista (PDT), de esquerda e centro-esquerda, somam 20 candidaturas.
Quando observamos a distribuição dos cargos em que concorrem, a maior parte dos indígenas do estado não se postulam nas eleições majoritárias, com candidaturas a prefeito e vice-prefeito. Das 125 candidaturas registradas, 122 são para o cargo de vereador, enquanto apenas 3 se postulam a cargos de prefeito e vice
Em meio aos ataques, a resistência
Nas eleições de 2018, a candidata Joenia Wapichana, do povo Wapichana, foi a primeira mulher indígena a ser eleita como deputada federal no Brasil, com 8.491 votos, pelo partido Rede Sustentabilidade de Roraima. Para a parlamentar os ataques aos povos indígenas provindos do governo de Jair Bolsonaro influenciaram nesse aumento de candidaturas, disse em entrevista ao Jornal O Globo. “Eu sendo a primeira mulher indígena a ser eleita impulsionou esse movimento. Mostrou que é possível, mesmo que a gente esteja em um partido pequeno, sem poder econômico. Essas candidaturas são motivadas pela defesa não só dos interesses indígenas, mas dos seus direitos”, declarou a deputada.
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Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que lançou uma campanha de mobilização Indígena para as eleições de 2020, o argumento vai de encontro com a posição da deputada Joenia. “O aumento da população indígena na participação das eleições municipais é concomitante ao aumento dos ataques aos seus direitos em meio a pandemia de covid-19. O primeiro indígena eleito no Brasil foi o cacique xavante Mário Juruna (PDT-RJ) em 1982, durante a ditadura militar quando muitos dos direitos indígenas também foram violados”, declarou a entidade em nota.
A campanha de caráter suprapartidária da Apib visa apoiar candidaturas indígenas que tenham trajetórias pautadas na liderança e defesa dos direitos indígenas. Segundo Dinaman Tuxá, um dos coordenadores executivos da organização, o interesse pela política institucional está pela ampliação do debate sobre a necessidade da representatividade dos povos indígenas e a defesa dos seus direitos. Tuxá pontua: “a pauta comum entre todos candidatos é a retomada da demarcação dos territórios indígenas, ainda que tenham pontos de vista políticos distintos e sejam filiados a partidos diversos”.