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Papo esportivo | Dome, Rogério Ceni e o "novo normal" do futebol brasileiro

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Ceni fez um grande trabalho no Leão do Pici e utiliza conceitos que o aproximam do futebol praticado na Europa - Washighton Alvez/ Agência Brasil
Ceni chega ao Flamengo com a tarefa de ser o “Salvador da Pátria” em um ano completamente atípico

O futebol brasileiro nos mostra todos os dias que precisamos ter muito cuidado com certas narrativas. Principalmente quando o assunto é a demissão e a escolha de um novo treinador em qualquer equipe. Digo isto por conta de todo o cenário que culminou na saída de Domènec Torrent do Flamengo e na contratação (já amplamente anunciada) de Rogério Ceni.

Vale lembrar que muita coisa mudou no Flamengo de 2019 até aqui. A saída (ainda que repentina) de Jorge Jesus para o Benfica, a chegada de novos atletas e a pandemia de covid-19 fizeram com que todos nós tivéssemos que nos adaptar a esse novo contexto.

Guardem bem essa palavrinha mágica: contexto.

Doménec Torrent foi contratado dentro desse cenário. O catalão chegou ao Fla com a “grife” de ter sido um dos auxiliares de Pep Guardiola e com a tarefa (nada fácil) de tentar manter o legado de Jorge Jesus. Só que as coisas não funcionaram como o esperado.

Embora o time tenha mostrado bons números no ataque, o sistema defensivo acabaria sendo o grande problema. Em 25 jogos com Dome, o Fla levou 38 gols, média de 1,45 por partida. Uma pesquisa bem rápida mostra que o New York City FC (antigo clube do catalão) levou 81 gols em 60 partidas (média de 1,35).

É bem verdade que Doménec Torrent teve pouquíssimo tempo para treinar e corrigir as falhas defensivas do Flamengo dentro de um calendário que já era insano bem antes da pandemia.

Com a retomada das atividades, toda essa insanidade se transformou num verdadeiro calvário com jogos quase todos os dias, desfalques por lesões e convocações para seleções nacionais. Quem se lembra do polêmico jogo contra o Palmeiras e do surto de covid-19 dentro do elenco sabe bem do que eu estou falando.

Mesmo assim, Dome vacilou demais. Não somente pelos números da defesa do Fla, mas por insistir em estratégias que se mostraram erradas desde o começo. Ao mesmo tempo, o choque causado pelo estilo de jogo (completamente diferente de Jorge Jesus) também minou o trabalho do catalão junto ao elenco rubro-negro.

Por mais que se torcesse pelo seu sucesso, é preciso reconhecer que as coisas não deram certo. Ou pelo menos não funcionaram dentro do esperado.

É nesse contexto que Rogério Ceni chega ao Flamengo. Sem tantas pompas e circuntâncias como aconteceu com Dome, mas com a tarefa de ser o “Salvador da Pátria” em um ano completamente atípico.

Diante de todas as opções, o agora ex-treinador do Fortaleza era realmente a melhor. Ceni fez um grande trabalho no Leão do Pici e utiliza conceitos que o aproximam do futebol praticado na Europa. Se vai dar certo no Fla ou não, isso só o tempo vai dizer. Por outro lado, o que se vê nesse cenário todo é que o “novo normal” do futebol brasileiro é mais do mesmo que eu e você cansamos de ver em temporadas anteriores.

Impossível não chegar à conclusão de que o Flamengo campeoníssimo de 2019 e início de 2020 tinha muito mais a ver com Jorge Jesus do que com um planejamento estratégico arrotado aos quatro cantos do mundo pela diretoria rubro-negra. Impossível também não notar que o tal “estudo criterioso de currículos de treinadores” estava muito mais baseado em “grifes” do que no estilo de jogo que cada profissional tem no seu trabalho.

Inclusive, é bom lembrar que Dome e os dirigentes do Fla jamais disseram que iam se adaptar ou tentar manter o trabalho de Jorge Jesus.

O tal “novo normal” do nosso futebol brasileiro nos mostra que a “grife” é o que importa. Estamos na onda dos treinadores estrangeiros, mas já passamos pelos mais variados tipos de tendência por essas bandas.

O que importa no final de tudo é vencer.

O Fla venceu quase tudo o que disputou com Jorge Jesus e todos os outros clubes correram atrás de técnicos estrangeiros. O Corinthians foi campeão com Fábio Carille e os demais times apostaram em treinadores mais jovens. E por aí vai.

O planejamento é ganhar. E em determinados casos, nem isso é suficiente. Não é por acaso que Eduardo Coudet deixou o Internacional (líder do Brasileirão) para acertar com o modesto Celta de Vigo.

E o “outro lado” também precisa ser criticado. Quantas vezes vimos treinadores largando trabalhos no meio por conta de propostas melhores mesmo com a confiança de torcida e diretoria? Geralmente são os mesmos que reclamam de “falta de tempo para trabalhar” quando são demitidos.

Rogério Ceni chega ao Flamengo nesse contexto todo. E a pergunta que fica é se o ex-goleiro do São Paulo e da Seleção Brasileira terá o respaldo para realizar seu trabalho mesmo quando todos nós temos conhecimento de que todas as equipes do mundo estão oscilando demais e levando mais gols do que antes da pandemia.

E isso com jogos decisivos pela Copa do Brasil e pela Copa Libertadores da América pela frente e quase nenhum tempo para descanso ou treinamento.

Metam uma coisa na cabeça: sempre que qualquer dirigente falar em planejamento em qualquer clube do Brasil, podem ter a certeza de que o critério (quando existe) para a escolha de um treinador está muito mais baseado numa “grife” (ser estrangeiro, novo, experiente ou qualquer outra coisa) do que num estudo mais criterioso.

Principalmente no Flamengo, onde a “turminha do Leblon” segue fazendo das suas. O acerto com Jorge Jesus foi muito mais um “chute certo” do que fruto do tal planejamento arrotado por este ou aquele dirigente.

Cuidado com as narrativas! Elas enganam até o ouvinte mais cuidadoso.

Diante de todo o contexto apresentado aqui, não me surpreenderia se Rogério Ceni for demitido do Flamengo daqui a poucos meses pelos mesmos motivos que levaram a diretoria a se decidir pela saída de Doménec Torrent. Não por incapacidade do ex-goleiro do São Paulo, mas por toda a incompetência e bravatas de nossos dirigentes. Coisas que já estamos cansados de assistir.

O tal “novo normal” do futebol brasileiro é quase irmão gêmeo do “antigo normal”.

Aquele abraço!

Edição: Mariana Pitasse