Bioma ameaçado

Substituição por soja coloca vegetação nativa do Pampa sob risco de desaparecimento

Mais de 2 milhões de hectares de vegetação nativa foram destruídos nos últimos 35 anos, conforme mapeamento

Brasil de Fato | Maringá (PR) |

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Vegetação nativa do Pampa é trocada por plantações de soja - Fernando Dias/ Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do RS

A vegetação campestre do Pampa gaúcho está sob sério risco de desaparecer. Conforme o mapeamento oficial de solos no Brasil, o MapBiomas, a região perdeu mais de 2 milhões de hectares de campos nativos nos últimos 35 anos, o que equivale a dez vezes as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas.

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Atualmente, a vegetação nativa ocupa apenas 33,6% do bioma, ainda conforme o estudo - participação bem menor do que em 1985 e 2012, quando os campos nativos cobriam respectivamente 44,4% e 37,5% do território do bioma.

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“Nosso desmatamento aqui é a supressão do campo nativo. O equivalente do desmatamento da Amazônia, no Pampa, é a supressão dos campos nativos pela soja”, afirma o biólogo e pesquisador Eduardo Velez, um dos autores de um estudo sobre o problema.

A destruição do campo original é, basicamente, causada pela agricultura de exportação, diz o pesquisador. A área plantada com soja, por exemplo, cresceu 188,5% entre os anos 2000 e 2015 no bioma. Hoje, já há mais área de plantio (38,3% do território) do que da paisagem natural.

Uma das implicações diretas é o elevado número de plantas e animais do Pampa ameaçados de extinção – pelo menos 146 espécies da flora e 86 espécies da fauna, conforme apontas os pesquisadores.

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Embora o Pampa tenha recorde de queimadas, é o avanço das commodities que põe em risco o bioma, segundo Velez. “Nossos problemas não estão vinculados a queimadas. É o avanço da soja, indiscriminado da soja, em áreas inclusive que não são próprias para o plantio”.

O pesquisador cita uma ligação entre a agroindústria e as queimadas. Para ele, um afrouxamento recente das fiscalizações fez com que os incêndios fossem mais normalizados.

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“Tem um fator, também, de percepção de que houve uma diminuição da fiscalização ambiental, que é uma coisa a olhos vistos em todo o Brasil. ‘Ah, diminuiu a fiscalização ambiental, então vamos usar mais as queimadas como era antes’. Como tem um clima de que não tem mais fiscalização ambiental, isso criou um pouco esse: vamos usar mais a queimada do que o normal. É uma hipótese”, diz Velez.

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Para que o bioma seja preservado, uma medida é fundamental: a efetiva implementação da lei que impõe Reserva Legal a 20% nas propriedades. A lei permite o manejo sustentável da área preservada – conforme o estudo, a pecuária é completamente compatível com a vegetação nativa, o que não traria prejuízo econômico.

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Caso a legislação continue sendo desrespeitada, o destino é certo. “O fato concreto é que se forem mantidas as tendências recentes, a área atual de 33,6% do Pampa coberta com vegetação nativa campestre será progressivamente exaurida nos próximos anos. Evitar esse lamentável desfecho deve ser um compromisso de todos os setores da sociedade gaúcha e brasileira”, convocam os pesquisadores que assinam o estudo.

Edição: Geisa Marques