Em março as manifestações foram aplacadas pela pandemia e agora retornam com novas demandas
Com menos de um ano da execução do jovem de 18 anos Dilan Cruz pelas forças policiais nas jornadas de protestos do ano passado na Colômbia, um novo caso de homicídio por violência policial registrado em setembro deste ano reativou os protestos sociais no país, interrompidos devido à crise sanitária. Esse episódio compõe uma longa lista de casos de denúncias de abuso policial e chacinas ocorridos no período da quarentena.
A nova jornada de protestos que se iniciou em setembro contra a violência do Estado, resultou em 13 mortes e 500 feridos. Segundo a ONG Temblores de Bogotá, entre 2017 e 2019, mais de 639 civis foram assassinados em procedimentos policiais e em 2020 mais de 50 chacinas foram registradas em diversas regiões do país.
Cabe ressaltar que a brutalidade policial na Colômbia já era uma constante, mas se intensificou no contexto da pandemia.
Durante a quarentena pelo menos 14 pessoas foram executadas pela polícia sob a justificativa de estarem descumprindo as medidas sanitárias, reanimando os protestos contra o governo.
As mobilizações começaram a ganhar mais expressão em novembro de 2019, com a organização da Greve Geral, que reivindicava a urgência da implementação dos acordos de paz, maior investimento público para a educação, políticas de redução da desigualdade social e a proibição do uso de armas não letais pela polícia no contexto dos protestos.
Em março as manifestações foram aplacadas pela pandemia e agora retornam com novas demandas. Além do profundo descontentamento social associado aos assassinatos de líderes sociais e as chacinas cometidas por paramilitares, os atuais protestos denunciam uma inconformidade generalizada com as reformas promovidas pelo governo no país que visam aprofundar o modelo neoliberal precarizando ainda mais a classe trabalhadora.
Uma delas é o decreto presidencial 1174 de agosto deste ano, que promove uma reforma trabalhista que regulariza o fim da jornada de trabalho de oito horas e impõe o pagamento de salário por horas trabalhadas, diminuindo 35% dos rendimentos dos trabalhadores e permitindo que ganhem menos do que um salário mínimo legal, além de desobrigar o empregador a pagar licenças médicas e planos de saúde aos empregados, em um país onde o sistema de saúde é privatizado.
Vale ressaltar que o governo Iván Duque não adotou nenhuma medida de proteção ou auxílio emergencial aos trabalhadores e desempregados.
Diante disso, algumas autoridades públicas recorreram a campanhas de financiamento coletivo na internet para arrecadar fundos e promover alguma política de auxílio às famílias em vulnerabilidade que estavam protestando devido ao abandono do poder público, já que neste contexto houve uma perda significativa do emprego formal e uma paralização do trabalho informal que provocou o agravamento da desigualdade do país.
Por outro lado, o governo concedeu um empréstimo da ordem de US$ 370 milhões à companhia área Avianca, medida que gerou indignação por parte da população.
Na última segunda-feira (19), vários sindicatos e centrais de trabalhadores da Colômbia convocaram, para esta quarta-feira (21), uma greve nacional contra as políticas do governo e o clima de violência no país.
A Greve Geral Nacional coincidirá com a Minga Social e Comunitária liderada por organizações indígenas, camponesas e afrocolombianas do sul do país, apoiadas por movimentos sociais e organizações estudantis, a qual se deslocou em marcha para a capital e que chegou a Bogotá no domingo (18) para se somar as manifestações desta quarta-feira (21).
Com o lema “seguem nos matando”, a Minga Social composta por 8 mil integrantes decidiu ir até o presidente Iván Duque para exigir a restituição dos direitos ancestrais fundamentais dos povos originários, a garantia das condições para o cumprimento e implementação dos acordos de paz e o fim dos assassinatos de lideres sociais e da repressão aos protestos.
Em um comunicado dos membros da Minga, o movimento propõe uma política de Estado que inclua as regiões nos diálogos humanitários com a perspectiva de paz nos territórios, a implementação de uma verdadeira reforma agrária integral, além da anulação de todos os tipos de concessões e licenças ambientais para projetos de mineração que atentem contra o equilíbrio natural das comunidades, exigindo que o Estado adote um modelo próprio de planejamento comunitário urbano e rural e políticas alternativas ao modelo neoliberal que atenta contra a vida.
Mesmo em um cenário tão difícil como esse, o povo colombiano nos ensina sobre a necessidade de seguir resistindo coletivamente e de criar formas de mobilização e organização social como resposta a repressão do Estado.
Essa é a lição que o encontro da Minga Social e Comunitária com a Greve Geral dos/as trabalhadores/as na Colômbia nos deixa, quando o campo e a cidade unem esforços para defender a vida, os territórios, a democracia e exigir como dizia Victor Jara o direito de viver em paz.
Edição: Mariana Pitasse