Coluna

O preço da comida nas alturas e a periferia na corda bamba

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Ação com Highline em São Paulo - Comunicação Nacional Levante e Periferia Viva
Campanha Periferia Viva realiza Jornada Nacional Contra a Fome com mais de 100 ações em 20 estados

Frente à indignante situação do povo brasileiro de não conseguir colocar nem mais o arroz e feijão sobre a mesa, a campanha Periferia Viva realizou de 1 a 17 de outubro uma grande Jornada Nacional de luta contra a FOME.

Foram mais de 100 ações realizadas em 20 estados de todas as regiões do Brasil com foco na sexta-feira, 16, Dia Mundial da Alimentação, e no sábado, 17 de outubro. As atividades foram organizadas com o objetivo de chamar a atenção para a fome no Brasil e para a redução do auxílio emergencial em meio à pandemia do coronavírus.-

Porque lutar contra a fome?

A Fome no Brasil infelizmente não é uma novidade – é uma questão histórica que marca diariamente a vida do nosso povo. A fome se faz presente em nossa cidade, em nossos rostos e em nossa saúde. Como não poderia ser diferente, mulheres e homens ousaram não aceitar ou normalizar a fome em nosso país, dando voz e rosto a essa luta.

No final do século passado tivemos vários levantes no Brasil, o “Movimento Custo de Vida e Contra a Carestia”, as “Marchas da Panela Vazia” ou mesmo a CPI que investigou o tema da fome no Brasil.

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Como desdobramentos desses levantes, em 27 de agosto de 1978, o Movimento Custo de Vida (MCV), em plena ditadura militar, colocou mais de 20 mil pessoas em um ato público na Praça da Sé (SP) para protestar contra a política econômica defendida pelo governo.

O movimento nasceu da organização de mulheres das periferias da zona sul de São Paulo, organizadas no Clube de Mães da Zona Sul e hoje é considerado uma das maiores mobilizações contra ditadura.

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A partir dos anos 2000 com a saída do governo Fernando Henrique Cardoso, a entrada do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e posterior do governo Dilma Rousseff, o Brasil avançou na construção de políticas públicas e programas sociais de transferência de renda em conjunto com a sociedade.

Isso fez com que o país no ano de 2014 ficasse pela primeira vez fora do Mapa da Fome das Nações Unidas, com 4,5% da população vivendo abaixo da linha de extrema pobreza, segundo o IBGE.

Contudo, após o golpe de 2016 tivemos uma combinação trágica – o avanço do fascismo, um projeto neoliberal, pautas extremamente conservadoras e a entrada de Jair Messias Bolsonaro no cenário político – tudo isso rebateu em cheio a questão da fome no Brasil.

O processo de organização popular e trabalho em mutirão é a forma do povo cuidar do próprio povo, já que o governo não cuida

Prova disso é que, o relatório internacional O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2018, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), mostrou que a fome atinge 5,2 milhões de pessoas no Brasil. Se já estávamos em um cenário ruim, no ano de 2020 fomos surpreendidos por uma pandemia global, que acelerou ainda mais o avanço da fome e do desemprego.

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Segundo dados da primeira parte da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgada pelo IBGE com dados de 2018, a fome no Brasil chegou a 10,3 milhões de pessoas sendo 7,7 milhões de moradores na área urbana e 2,6 milhões na rural.

Neste cenário o auxílio emergencial se tornou a única renda de pelo menos 4,4 milhões de famílias brasileiras e nos últimos meses acompanhamos a alta do preço dos alimentos. Dessa forma, a tarefa da luta contra a fome se coloca mais uma vez na ordem do dia para todo o povo brasileiro e já avisamos: RESISTIREMOS!

O povo cuidando do povo para não morrer de vírus e nem de fome

Enquanto isso

estamos a nos mobilizar

não aceitando de forma calada

as loucuras que querem nos empurrar

Vamos de forma organizada

esse governo derrubar

cuidando uns dos outros para lutar

pelo direito de comer

ter a nossa panela cheia

para a luta do povo fortalecer

(Rosangela Nascimento)


Marmitaço em parceria com “Gente é pra Brilhar” no Jd. São Savério, periferia de São Paulo. / Comunicação Periferia Viva

A Campanha Periferia Viva é uma iniciativa dos movimentos sociais do campo do Projeto Popular para o Brasil e que foi organizada desde o início da pandemia de forma a mobilizar esforços para que as periferias do país, as mais atingidas pelo vírus e pela crise econômica, se mantivessem vivas.

Desde março, se articulam nos territórios para doação de cestas básicas, itens de higiene pessoal, máscaras, leite e marmitas (inclusive durante as “Breque dos Apps” para os entregadores de aplicativos). No último período, compreendendo a necessidade de fortalecer a relação do povo com seu território, a campanha vem construindo a proposta dos Agentes Populares. 

O processo de organização popular e trabalho em mutirão é a forma do povo cuidar do próprio povo, já que o governo não cuida. Prova disso é o aumento mais recente do preço dos alimentos de forma absurda e, para aprofundar essa desigualdade, a redução do auxílio emergencial por parte do governo Bolsonaro.

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Por isso, a campanha organizou esta grande Jornada Nacional de Luta Contra a Fome que foi realizada de 01 a 17 de outubro. Foram mais de 100 ações da Campanha Periferia Viva espalhadas por todo o país em conjunto com a "Jornada Contra a Fome" da Via Campesina e a campanha "Gente é Pra Brilhar não pra morrer de fome".

Foram construídas intervenções político-culturais com o mote “O PREÇO DA COMIDA SOBE E O AUXÍLIO SÓ DESCE” a partir da simbologia das panelas vazias, resgatando os movimentos históricos de luta contra a fome no país. 

Além de diversas intervenções como forma de diálogo com a população, foram também realizados “marmitaços” com diversos chefs de cozinha em mais de 50 pontos do país em parceria com "Gente é pra Brilhar Não pra Morrer de Fome". Mostrando que “se eles lá não fazem nada, nós fazemos por aqui”. 

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Foram toneladas e mais toneladas de alimentos doadas, seja como marmitas, no encontro da comida com o fogão, sejam com produtos da Agricultura Familiar e Camponesa que foram doados para Bancos de Alimentos Popular - como em Recife - para demonstrar mais uma vez que é possível a construção de uma nova sociedade pautada a partir da solidariedade de classe.

Reforma Agrária Popular para baixar o preço dos alimentos

São vários motivos que explicam por que voltamos, desde 2018, para o Mapa da Fome: o despejo de várias famílias que dependiam das terras para o sustento, a falta de emprego, a redução do auxílio emergencial para R$300 e, mais recente, o aumento no preço dos alimentos. Mas porque o preço dos alimentos aumentou tanto no último período?

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Uma agricultura camponesa forte significa maior soberania alimentar, com um país dependente exclusivamente das oscilações e os interesses do mercado

Mais que os vaivéns da inflação (como disse o governo Bolsonaro), a política – ou a falta de política – ajuda a explicar algumas situações. Algumas altas podem ser atribuídas, também, a fatores como a ênfase dada ao agronegócio e o descaso com a segurança alimentar.


Ação com doações para a rede de Bancos Populares de Alimentos em Recife (PE) / Comunicação Periferia Viva

O agronegócio não tem nenhum interesse em produzir alimentos – seu interesse é gerar lucro – então faz tudo o que gera mais lucro. A possibilidade conjuntural de maior lucratividade com a exportação do que a venda no mercado interno de alguns itens da cesta básica, como o arroz, e ausência de políticas públicas de segurança alimentar, fez com que houvesse oferta de alimentos para o mercado interno e, consequentemente, o aumento dos preços. 

Uma agricultura camponesa forte significa maior soberania alimentar, com um país dependente exclusivamente das oscilações e os interesses do mercado.

O governo Bolsonaro coloca em risco a soberania alimentar brasileira para privilegiar os interesses das empresas, por isso voltamos para o Mapa da Fome.

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De um lado o agronegócio, com suas enormes extensões de terra baseadas na monocultura e que exigem a utilização de enormes quantidades de agrotóxicos para a sua produção, o que levou o Brasil a se tornar o maior consumidor de venenos agrícolas do mundo.

Do outro, a agroecologia com a diversidade da produção de alimentos saudáveis em harmonia com a natureza, e que inclui a totalidade de um sistema de produção, como as relações humanas, de trabalho, saúde, cultura, lazer e educação.

Porém, tudo isso só será possível de se realizar por meio do que chamamos de Reforma Agrária Popular e Plano Camponês que garanta soberania alimentar.

Cada vez mais a luta pela reforma agrária implica no enfrentamento ao capital, que se manifesta na luta contra as grandes empresas transnacionais, como as do agronegócio, responsáveis pela produção dos agrotóxicos, sementes transgênicas, esgotamento dos recursos naturais e o preço abusivo dos alimentos que nos coloca de novo na situação de fome no país.

 

Edição: Leandro Melito