Luis Arce, do Movimento ao Socialismo (MAS), será o novo presidente da Bolívia, segundo as pesquisas de boca de urna divulgadas na noite do último domingo (18). Com 21 pontos percentuais de vantagem sobre o ex-presidente Carlos Mesa (Comunidade Cidadã) e quase 40 em relação a Luis Camacho (Acreditamos), o candidato apoiado por Evo Morales (MAS) se pronunciou no mesmo dia em tom de vitória: “Recuperamos a democracia e a esperança.”
A Organização dos Estados Americanos (OEA), a presidenta interina Jeanine Áñez e os adversários políticos do MAS que apoiaram o golpe de 2019 reconheceram a vitória de Arce antes mesmo do resultado oficial. No entanto, a sociedade boliviana continua polarizada, e analistas políticos mantêm o sinal de alerta sobre as pressões que o presidente eleito deve sofrer antes e depois de assumir.
Alegria e cautela
Para Alpacino Mojica, líder do MAS em Santa Cruz – um dos berços do golpe –, a diferença expressiva de votos mostra que “a Bolívia quer seguir progredindo, se desenvolvendo, crescendo”.
“Ontem foi um dia histórico, em que nossos irmãos indígenas, camponeses, quéchuas, aimarás, todos se uniram para que a democracia volte à Bolívia, para que o progresso e o desenvolvimento sejam restabelecidos a todos os bolivianos”, celebra.
“Nesses quase dez meses, sofremos de tudo: perseguição, pilhagem, corrupção”, lembra. “Mas nos sentimos orgulhosos porque a tranquilidade está de volta e agora temos um novo presidente eleito pelo voto.”
Em entrevista no domingo (18), Gladstone Leonel Jr., especialista no constitucionalismo boliviano, afirmou que “só uma vitória do MAS pode pacificar o país, porque foi o MAS que venceu as eleições de 2019”.
Após o resultado da boca de urna, o pesquisador, que também professor de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) fez algumas ponderações.
“Será um primeiro passo para a retomada democrática no país, mas isso não é o suficiente para que o bloco de mobilização indígena-popular baixe a guarda, ao contrário”, escreveu, em coluna publicada pelo Brasil de Fato.
“O momento requer ainda atenção, cautela e mobilização para a confirmação dos resultados. Na eleição de 2019, foi no momento da apuração de votos que o pleito foi questionado pela OEA, sem qualquer indício de fraude, abrindo espaço para uma tomada golpista do poder.”
Lições
“Os conflitos não irão parar por agora e podem se intensificar diante da conjuntura ainda conservadora dos países do seu entorno”, completa o especialista.
“Por exemplo, o concorrente da extrema-direita Fernando Camacho tende a se cacifar como alternativa de desestabilização e não é descartado movimentos que insuflem o separatismo na região de Santa Cruz de la Sierra, como já ocorreu em outros períodos históricos.”
“Por que o golpismo venceu em 2019?” Para o sociólogo boliviano Boris Ríos, essa a pergunta-chave que deve ser feita pelos movimentos populares.
“Houve um momento, no processo de mudança, em que o MAS tentou incluir a classe média, dar poder de decisão a setores empresariais, para tentar ampliar sua hegemonia”, lembra.
“Avalio que essa tese é equivocada. O que permitiu a realização de eleições e a sobrevivência do MAS foi o movimento popular organizado, com consignas radicais, falando de socialismo, da luta contra a ditadura, falando de revolução.”
Sobre as reações da direita boliviana após a divulgação da boca de urna, Ríos chama atenção para a que considera mais importante: a renúncia de Arturo Murillo, ministro de Governo da presidenta autoproclamada Jeanine Áñez e “um dos coordenadores da repressão”.
Freddy Bobaryn, porta-voz do MAS na capital La Paz, afirma que as lições do golpe foram absorvidas. "Em um momento de crise, aprendemos a escutar novamente. Precisávamos, com muita urgência, reconstruir o tecido social", analisa.
"O golpe foi resultado de fraturas entre campo e cidade, Ocidente e Oriente. E o que fizemos para vencer foi encontrar espaços de diálogo, respeito entre camponeses, operários, buscar um olhar mais amplo sobre o que nos une, mais do que aquilo que nos separa."
Questionado sobre erros cometidos nas gestões passadas e que precisam ser corrigidos, Bobaryn cita a burocratização do partido. "Havia temas que ninguém podia falar. Viramos, em alguma medida, um partido conservador, que defendia o establishment, o status quo. E onde todos pensam igual, ninguém pensa."
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"Vemos o futuro com otimismo", acrescenta. "A direita boliviana foi derrotada, e agora é hora de pensar formas de reconstruir o país, dando sinais claros ao povo de que haverá uma renovação, com novos atores, e os jovens serão os protagonistas dos próximos cinco anos."
A direita boliviana não é capaz de responder às necessidades do povo.
Zoe Pepper-Cunningham, jornalista e observadora internacional nas eleições de domingo, relata que a sociedade boliviana permanece dividida. Segundo ela, a polarização se observa, particularmente, em torno da figura do ex-presidente Morales.
“Por outro lado, esse quase um ano de governo de Áñez deixou uma mensagem clara: de que a direita boliviana não é capaz de responder às necessidades do povo”, pondera.
A jornalista estadunidense enfatiza que a votação de Arce foi ainda mais expressiva que a de Morales em 2019, mas chama a atenção para regiões específicas do país, como Santa Cruz, onde pode haver levantes golpistas: “Vamos ter que esperar os resultados oficiais para saber se a direita, de fato, vai respeitar a eleição”.
A contagem oficial dos votos deve terminar entre quarta (21) e quinta-feira (22). Para vencer em 1º turno, Arce precisa somar mais de 40% dos votos ou abrir dez pontos percentuais em relação a Mesa. No momento, segundo a apuração oficial, os dois candidatos estão tecnicamente empatados.
Edição: Rodrigo Chagas