COMBATE À FOME

Organizações do campo e da cidade lançam manifesto popular contra a fome no Brasil

Ato virtual nesta sexta-feira (16) integra a jornada nacional que aconteceu ao longo da semana

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Documento reúne dezenas de movimentos que atuam contra a fome em todo Brasil - Foto: Joka Madruga

No Dia Mundial da Alimentação, comemorado neste 16 de outubro, organizações populares lançaram o Manifesto popular contra a fome e pelo direito de se alimentar bem em ato virtual. 

O evento online na tarde desta sexta-feira (16) contou com a participação de movimentos sociais do campo e da cidade que integram as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, a Via Campesina, assim como ativistas das campanhas Periferia Viva e Vamos Precisar de Todo Mundo, entre outros coletivos e centrais sindicais.

No documento, o conjunto de organizações denuncia a volta da fome no Brasil e repudia os vetos do governo Bolsonaro à Lei Assis Carvalho (PL 735), que previa o apoio aos agricultores familiares e camponeses em meio à pandemia do novo coronavírus.

:: Veja o lançamento na íntegra :: 

O manifesto também critica a falta de controle dos estoques reguladores de alimentos, políticas do Plano Safra destinadas somente ao agronegócio e a degradação do meio ambiente causadas pelo setor em nome do lucro.

“Esse é o quadro que coloca os mais pobres de volta à fome e também traz problemas para os setores médios, pois o preço dos alimentos tem aumentado de forma assustadora, já que o agronegócio produz commodities, os supermercados especulam com a fome e as empresas promovem o uso de comidas artificiais que só deixam a população adoecida”, ressalta o documento.

Comida de verdade

A qualidade da alimentação consumida amplamente pela população também é criticada pelas organizações.

“A crueldade das empresas e indústrias de alimentos está presente em todos os lugar do campo, das águas, florestas e da cidade. Seja na introdução de agrotóxicos dentro do modelo produtivo, seja na forma como se apresentam os alimentos ultraprocessados que não possuem capacidade de nutrir corpos e mentes humanos”, critica o texto.

A atividade desta sexta-feira (16) faz parte da “Jornada Nacional de Luta Contra a Fome: por mais comida saudável e renda para o povo se alimentar”, que acontece desde o início da semana. A iniciativa denuncia o descaso do governo Bolsonaro com a população brasileira mais atingida pela crise e exige a permanência do auxílio emergencial de R$ 600.

:: Fome atinge 10,3 milhões e 44% das famílias rurais sofrem com insegurança alimentar ::

Michele Calaça, integrante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e da Via Campesina, mediou o ato ao lado de Kelli Mafort, da coordenação nacional dos Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e enfatizou a importância do manifesto neste momento.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em setembro, a insegurança alimentar grave atinge 10,3 milhões de brasileiros. As informações são de 2017 e 2018, antes mesmo da chegada da pandemia.

“Falar de alimentação é falar de garantir a soberania, a democracia e sem dúvida nenhuma, de um projeto popular para nosso Brasil. Falar da alimentação significa combater a ideologia de que o agronegócio, os transgênicos e agrotóxicos, a monocultura, iria acabar com a fome no Brasil e no mundo”, afirmou Calaça.

Ela destacou que a agricultura familiar é a responsável por mais de 70% da comida que chega na mesa dos brasileiros. 

“O que tem salvado até hoje a produção de alimentos e a biodiversidade que temos, com terras férteis, nossas águas, é a produção dos campesinos e campesinas, que colocam a mão na terra, têm uma relação bonita com a natureza e tentam construir a produção de alimentos saudáveis”. 

Unidade pela soberania alimentar

Ao longo do ato virtual, transmitido pela página da Via Campesina Brasil, diversas personalidades e militantes ressaltaram a importância da articulação popular contra a volta da fome. Entre eles, representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Marcha Mundial de Mulheres (MMM), Confederação Única dos Trabalhadores (CUT), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) entre outros. 

Pesquisadores e intelectuais que atuam na área da segurança alimentar também enviaram vídeos de apoio ao manifesto e saudação aos movimentos.

Estão desmontando as políticas que com muito custo construímos.

Entre eles José Graziano da Silva, para a Alimentação e Agricultura (FAO) da Organização das Nações Unidas (ONU), que criticou o desmonte das políticas na área.

Segundo ele, a luta contra a fome foi completamente deixada de lado nos últimos anos.

“Ninguém acha importante a segurança alimentar e nutricional do nosso povo neste governo. Estão desmontando as políticas que com muito custo construímos desde o primeiro governo Lula em 2003. Nem se fala mais do programa Fome Zero, que criou o PAA, o Bolsa Família, que criou a compra da agricultura familiar para a merenda escolar”, afirmou.

Esse modelo gera degradação alimentar, fome e pobreza.

Graziano explicou ainda que o incentivo à exportação de commodities em detrimento dos pequenos produtores é uma das raízes da volta da fome.

“Qualquer aumento da demanda provoca inflação dos alimentos, a chamada inflação dos pobres. Do arroz e do feijão. A cada dia o preço está mais caro. Por que isso, se nós produzimos e exportamos tanto? Exatamente por isso, a prioridade é dada para a exportação, para aumentar o lucro do dono.”

Elisabetta Rancine, que foi presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), extinto por Bolsonaro em seu primeiro dia de governo, também prestou solidariedade às organizações.

“A persistência da fome, o aumento alarmante da obesidade e a crise climática compartilham um determinante comum. Sistemas alimentares baseados na grande produção, no uso intensivo de bens naturais e insumos químicos. Esse modelo gera degradação alimentar, fome e pobreza”, disse ela.

Apesar do retorno da fome e do poder do agronegócio, Rancine sublinhou que outro caminho é possível e já é trilhado pelos movimentos.

“A realidade nos pede articulação. Gente do campo, das florestas, das águas, das cidades, o povo negro, povos indígenas, comunidades tradicionais. É necessário, urgente e possível a construção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, da terra compartilhada, da biodiversidade, do conhecimento natural e dinamização das economias e processos locais, do alimento que se transforma em comida de verdade”.

O ato virtual, dividido em blocos, contou com diversas apresentações musicais exaltando a luta pela terra e pelo direito à alimentação, com participação de artistas como Fernando Anitelli, Zé Pinto, Ave Cantadeira, Vitória Paixão e Pedro Munhoz. 

Em defesa do povo

O manifesto das organizações populares também apresenta uma série de ações com as quais os movimentos sociais e entidades sindicais se comprometeram em defesa da soberania alimentar.

Entre elas, seguir com as campanhas de solidariedade e doações de alimentos durante a pandemia, a exemplo das ações realizadas pela iniciativa Periferia Viva; a luta pela retomada da construção dos estoques públicos de alimentos para que o Estado regule preços e não faltem itens básicos para a população; o enfrentamento ao governo Bolsonaro e a luta pela derrubada dos vetos do PL 735, que apoia os agricultores em meio a pandemia.

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A luta pela retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), pela ampliação do acesso à água para abastecimento humano, pela valorização do salário mínimo e a defesa da criação de um programa de Renda Básica Permanente também são as bandeiras prioritárias das organizações. Confira a íntegra do documento.

A “Jornada Nacional de Luta Contra a Fome: por mais comida saudável e renda para o povo se alimentar” se encerra neste sábado (17) com  ações de solidariedade em todo país.

Edição: Rodrigo Chagas