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Feliz dia do professor?

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Precisamos ter esperança, do verbo esperançar

Por Coletivo Adélia de França*

No dia 15 de outubro comemoramos, todos os anos, o dia do professor. Para nós, professoras e professores da Paraíba, é um dia marcado por muitos abraços, cartinhas e presentes dos alunos e famílias, tudo sempre permeado com frases de valorização do nosso trabalho e ressaltando a importância da nossa profissão. Porém, neste ano pandêmico – e quase distópico – de 2020, temos nos surpreendido com algumas mensagens não de apoio, mas de rejeição à nossa categoria. Algumas delas sendo emitidas, até mesmo, pelo presidente da república e pelo ministro da educação, como abordamos em nosso último texto. 

Sabemos que tais hostilidades não refletem a opinião da maioria da população, que continua apoiando nosso trabalho, o que conseguimos constatar no contato diário (mesmo à distância) que temos com os responsáveis por alunos e pelos próprios educandos nas escolas em que trabalhamos. Mas é importante olhar para essas falas, compreender se estão fundamentadas em evidências e se possuem coerência para considerarmos como críticas construtivas válidas.

Um argumento que temos escutado por aí é: “se vários outros profissionais já estão voltando às atividades presenciais (por exemplo, funcionários do comércio ou indústria, e até jogadores de futebol), já está mais do que na hora de os professores também rumarem a esse novo normal, não é mesmo?”. O problema desse questionamento é que ele se baseia na ideia de que a reabertura desses outros setores ocorreu porque a pandemia está controlada e é seguro voltar às atividades que geram aglomeração. Mas essa é uma premissa falsa. No final de semana passado batemos a triste marca de 150.000 mortos, sendo que 50.000 foram registrados apenas nos últimos dois meses. 

Mesmo que o nosso público seja de crianças e adolescentes, ou seja, não estão dentro do grupo de risco para agravamento da Covid-19, não se sabe o risco a longo prazo de desenvolver complicações decorrentes da doença. E, claro, entre professores e demais funcionários da escola, muitos estão acima de 60 anos e/ou são portadores de doenças crônicas, o que agrava a problemática: como retornar às aulas e garantir um mínimo de cumprimento das medidas de segurança (como distanciamento, uso de máscara e lavagem de mãos) se o quadro de pessoal está seriamente desfalcado? Ainda vale ressaltar que não temos testes suficientes para gerir o aparecimento de casos e afastamento das pessoas infectadas para evitar a transmissão do vírus, como tem sido recomendado. 

Recentemente ouvimos, do próprio presidente, um ataque direcionado aos professores brasileiros, como se em outros países nossa categoria não demonstrasse preocupação com a reabertura prematura das escolas e não se posicionasse contra um retorno sem segurança. Será que isso se sustenta ao olharmos para fora do Brasil? Em Madrid, na Espanha, os professores entraram em greve devido à falta de medidas de segurança nas escolas para reiniciar as atividades presenciais.

Em Portugal, também foi deflagrada a greve de professores justamente porque em muitas escolas não se conseguiu adotar o distanciamento entre alunos nas salas de aulas e há preocupações quanto à garantia dos direitos trabalhistas dos profissionais pertencentes aos grupos de risco. Ah! Vale lembrar que, nesses países, a pandemia chegou antes do que aqui no Brasil e o retorno das atividades presenciais está acontecendo só agora, quando a quantidade de casos de Covid-19 está mais controlada. E esse regresso se dá em um novo ano letivo (que tem início em setembro por lá), ao invés de tentar retomar as aulas a qualquer custo a poucas semanas do ano letivo acabar.
 
Até em Nova York, nos Estado Unidos – país tão usado como exemplo de nação desenvolvida pelo presidente, mas que, em plena pandemia, endivida sua população com gastos médicos por não ter um sistema público de saúde –, houve bastante resistência e, também, adiamento do retorno às aulas porque não encontravam professores dispostos a encarar a sala de aula com os números de casos da doença ainda altíssimos. Será que os professores desses outros países não gostam de trabalhar? Certamente não é essa a explicação. Eles apenas estão cientes de que há uma pandemia acontecendo e pode ser catastrófico forçar o retorno às aulas sem garantir as medidas adequadas de segurança. 

Claro que não vivemos em um mundo de “faz de contas”: há profissionais que faltam com responsabilidade e compromisso, assim como em qualquer profissão. Mas também é desonesto e falacioso usar, como argumento para depreciar nossa categoria, evidências anedóticas de professores aparentemente descompromissados, enquanto há tantos profissionais que se dedicam incondicionalmente para construir uma educação de qualidade. Ainda assim, nesses tempos de ensino remoto, é preciso colocar em perspectiva tais exemplos, pois muitos desses profissionais estão trabalhando de casa com uma carga de trabalho bastante aumentada, em especial as mulheres.

Sem contar que nós tivemos que nos adaptar a um formato de trabalho para o qual a grande maioria não tinha qualquer formação ou experiência prévia, sem nem ter garantidos os recursos necessários (equipamentos tecnológicos e internet de qualidade, por exemplo). Mas, sim, críticas construtivas são pertinentes: temos que estar atentas a elas para melhorarmos enquanto profissionais e pessoas. Só não podemos confundi-las com ataques infundados que enfraquecem a luta.

Como retornar às aulas e garantir um mínimo de cumprimento das medidas de segurança (como distanciamento, uso de máscara e lavagem de mãos) se o quadro de pessoal está seriamente desfalcado?


Poderíamos aqui desconstruir outros argumentos falaciosos e ataques contra a nossa categoria profissional nesse momento. Mas focarmos apenas em discursos mal construídos que desvalorizam o nosso trabalho não é a melhor forma de celebrarmos o dia dos professores, não é mesmo? O que precisamos ressaltar, principalmente neste dia, é que esses discursos não devem nos abalar porque não representam o que nós somos nem como a população amplamente concebe nosso trabalho. Gostaríamos de pessoas nos cargos de liderança em nosso país que valorizassem nossa profissão? Evidentemente.

Entretanto, em um governo que não tem respeito nem pela vida da população, esse ataque aos professores não é nenhuma surpresa. Na verdade, é muito pertinente porque somos nós, professoras e professores, que estamos na ponta do sistema de ensino, em diálogo direto com a população, tentando colocar em prática os princípios de uma educação democrática no meio de uma estrutura bastante desigual e injusta. E depreciar, precisamente, nossa categoria contribui para a manutenção dessas desigualdades, objetivo desse governo.

Portanto, nesse dia de celebração, acreditamos que há, sim, motivos para desejarmos um feliz dia dos professores. Como já dizia nosso patrono quase centenário, Paulo Freire, precisamos ter esperança, do verbo esperançar. Não a esperança passiva de quem espera por dias melhores. Esperançar é se levantar, construir e não desistir. E é por isso que damos parabéns a vocês – e a nós – professoras e professores que buscam construir uma educação de qualidade, em diálogo direto com o povo, mesmo em tempos tão difíceis.

*A coluna Fala, professora Adélia! é uma iniciativa do Coletivo Professora Adélia de França que busca divulgar as reflexões das trabalhadoras e trabalhadores em Educação da Paraíba. Para contribuir com essa organização coletiva, escreva para [email protected]


 

Edição: Cida Alves