Que tipo de recado o Santos está passando para seu torcedor e para o resto da sociedade?
Você já cansou de ver este colunista afirmar que o nosso futebol é o retrato perfeito da nossa sociedade. Por mais que tenhamos atletas talentosos, sempre acabamos dando com os burros n’água por conta da nossa própria mesquinharia e das nossas passadas de pano em problemas imensos. Eu passaria uns dois dias falando de vários deles, mas quero focar apenas no assunto principal desta coluna.
Robinho está de volta ao Santos. Aos 36 anos, o “Rei das Pedaladas” assinou por cinco meses com o Peixe e vai receber um salário simbólico de R$ 1.500,00 com bônus de R$ 300 mil após dez jogos disputados e mais R$ 300 mil depois de quinze jogos. O clube ainda terá a preferência para renovar com o veterano atacante por mais um ano e sete meses.
O grande problema dessa história toda é que o Santos contratou um atleta que foi condenado por estupro. Não, não é acusação. É condenação, meu amigo. Já tivemos um processo com investigação, testemunhas, provas, tudo que você pode imaginar. O cara foi CONDENADO POR ESTUPRO.
O caso teria ocorrido no dia 22 de janeiro de 2013, quando Robinho (que ainda jogava pelo Milan) e mais cinco homens estupraram uma mulher de origem albanesa. A condenação por parte da nona seção do Tribunal de Milão, presidida por Mariolina Panasiti, aconteceu no ano de 2017 e foi amplamente divulgada na imprensa italiana e também na brasileira. A defesa de Robinho recorreu da decisão e o sistema de Justiça na Itália permite vários níveis de recurso. Enquanto isso, o veredicto é colocado em espera e nenhuma sentença será aplicada até que os recursos se esgotem.
Diante de tudo isso, a diretoria do Santos (que estudou a repatriação do atacante por vários dias) resolveu fazer uma tremenda divulgação do retorno de Robinho ao clube nas suas redes sociais falando até em “The Last Pedal” (“A última pedalada”, em inglês), em alusão à série “The Last Dance” que retrata o lendário Chicago Bulls de Michael Jordan e Scott Pippen hexacampeão da NBA. E ainda teve vídeo de Robinho ao lado dos filhos nas redes sociais. Como se a CONDENAÇÃO POR ESTUPRO (com letra maiúscula mesmo) fosse algo que não fizesse diferença na vida de um jogador de futebol.
Numa boa, pessoal… Que tipo de recado a diretoria do Santos está passando para seu torcedor e para o resto da sociedade? Que tipo de mensagem o cara que pensou na contratação de um cidadão condenado por estupro está passando para as crianças que sonham em ser jogador de futebol? Que tá tudo bem estuprar e violentar mulheres desde que você faça muitos gols e conquiste títulos pelo clube? É isso?
Detalhe: Robinho chegou ao Santos cerca de dois meses depois do clube aderir à campanha contra a violência doméstica. E ainda tem mais essa.
Mas o que mais me entristece é ver torcedor falando que “é preciso separar a profissão dele da vida social” e ainda acusando a mulher que moveu o processo contra Robinho de “aproveitadora” e “oportunista”. Desde quando ser jogador de futebol se transformou em autorização para se fazer o que quiser sem se preocupar com a consequência dos seus atos? Essa postura é extremamente bizarra. Bizarra e asquerosa.
Tem que ser muito canalha para fazer festa para chegada de Robinho ao Santos. E tem que ser mais canalha ainda para passar pano num dos maiores cânceres da nossa sociedade: a violência contra a mulher. E o ambiente do futebol (que ainda é extremamente tóxico e hostil) só reforça o nível de tolerância com coisas desse tipo.
O nosso futebol só vai mudar quando o torcedor rever seus conceitos e mudar de atitude. Somos hipócritas ao ponto de fecharmos os olhos para qualquer coisa desde que nosso time esteja vencendo jogos e conquistando títulos. Pode ser Robinho, Jean (goleiro do Atlético-GO preso por agressão à esposa nos Estados Unidos) ou até mesmo Bruno (mandante do assassinato da modelo Eliza Samudio em 2010). Vestiu a camisa do meu clube do coração, virou o santo paladino que levará meu time às vitórias. E é um tal de “chora mais” e “chupa” para quem aponta os erros e para os torcedores rivais.
Em tempo: de todos os jogadores citados anteriormente, apenas o goleiro Jean revelou arrependimento e pediu desculpas pelos seus atos.
Não há outra coisa a dizer, meus amigos. Toda a festa feita em cima da chegada de Robinho ao Santos é um verdadeiro tapa na cara de toda torcedora santista que vai à Vila Belmiro apoiar seu time do coração apesar de todo o ambiente hostil que irá encontrar pela frente. É xingamento, assédio e vários outros tipos de violência física e verbal. Tudo por amor a um dos mais importantes clubes do mundo. Clube que teve Pelé, Coutinho, Mengálvio, Pepe, Mauro Ramos, Gilmar e muitos outros.
Fico aqui imaginando como deve estar a cabeça das jogadoras do time feminino do Santos, um dos mais tradicionais e vitoriosos do país. E fico aqui imaginando como está a cabeça de quem se mata todo santo dia para combater a violência de gênero no futebol e em toda a sociedade.
Não é acusação. Não é denúncia. Robinho foi CONDENADO, meu amigo. E passar pano pra isso nada mais é do que um senhor atestado de hipocrisia e canalhice. E se você acha que está tudo bem contar com um cara que foi condenado por estupro no seu time, lamento informar, mas você é só mais um canalha que não se importa com a dor alheia e que usa o futebol pra tentar curar suas frustrações e seus traumas.
Que tal se nós homens (principalmente os da imprensa esportiva), que adoramos falar que “não somos todos estupradores” e que “não é legal generalizar”, pararmos de naturalizar Robinhos, Brunos e afins? Somos parte do problema! Não temos que cobrar posicionamento das mulheres. A gente tem que se posicionar e combater esse pensamento nocivo que criamos ao longo das últimas décadas.
Nós transformamos o futebol num dos ambientes mais nojentos da sociedade. Ambiente no qual um jogador não pode se assumir gay por medo de represálias de todos os tipos. Mas que parece ser muito mais tolerante com quem agride ou estupra uma mulher. A hipocrisia reina no futebol. O número de “advogados” e “passadores de pano” dentro das próprias torcidas é gigantesco.
Ou o torcedor muda de mentalidade ou o futebol vai seguir normalizando e relativizando a violência contra a mulher.
Um abraço
Edição: Eduardo Miranda