ar que mata

Adequação de veículos a tecnologias menos poluentes pode poupar mais de 140 mil vidas

Indústria quer adiar obrigação de colocar nas ruas veículos que emitem menos gases tóxicos e cancerígenos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Com uso de tecnologias mais limpas na indústria automobilística, estima-se que R$ 575 milhões deixariam de ser gastos com internações no sistema de saúde em 30 anos - Evaristo Sa/AFP

Essa é a segunda de uma série de reportagens do Brasil de Fato sobre os riscos que a qualidade do ar no Brasil representa para a saúde da população.

Um eventual adiamento do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos (Proconve), proposto pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), pode levar centenas de milhares de brasileiros à morte nas próximas décadas. O Proconve estabelece fases para que a indústria adapte os produtos a tecnologias menos poluentes. A próxima etapa está prevista para começar em 2022 e tem potencial para diminuir em mais de 80% as emissões de ônibus e caminhões.

Do ponto de vista da saúde da população, a próxima fase do programa pode significar um avanço considerável para o Brasil. Da mesma forma, o adiamento reforçaria uma realidade preocupante. A mudança prevê redução considerável do chamado de material particulado, a partir de filtros instalados nos veículos a diesel. O poluente é considerado um dos mais danosos ao organismo humano e está associado ao câncer de pulmão, câncer na bexiga, derrabe cerebral, dentre outros.

O que eles querem agora é que, mais uma vez, quem pague essa conta e sofra com essa situação é a população.

Atualmente, a poluição atmosférica é a primeira causa ambiental de adoecimento e mortalidade no mundo, está a frente de problemas causados pela água insalubre e doenças transmitidas por vetores. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a contaminação do ar aumenta as chances de doenças crônicas não transmissíveis. Por isso está associada a 44% das mortes por doenças do coração, 15% das mortes por acidentes vasculares cerebrais (derrames encefálicos), 35% das mortes por doenças respiratórias e 6% das mortes por câncer de pulmão.

Manifesto da Coalizão Respirar aponta que a poluição do ar matou mais de 44 mil pessoas no Brasil em 2016. A Coalizão reúne mais de 20 entidades civis em defesa da qualidade do ar no Brasil e atua na iniciativa Inimigo Invisível, que convida a população a pressionar o governo para manter os prazos estabelecidos para adoção de tecnologias mais limpas.

Uma das instituições que faz parte do grupo, o Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS), publicou no ano passado uma avaliação sobre os impactos da implementação da nova fase do Proconve na saúde pública. Os ganhos vão se refletir também nos cofres públicos e privados. Em trinta anos, cerca de 148 mil mortes seriam evitadas, o que evitaria gastos de R$ 575 milhões para internações hospitalares. O saldo positivo em produtividade seria de R$ 68 bilhões.

Crianças, idosos e periferias

As maiores consequências da poluição são sentidas por idosos, crianças e populações periféricas. São grupos com condições de desenvolvimento e saúde específicas. Entre os mais jovens, 50% dos casos de pneumonia registrados estão associados à poluição do ar, que também prejudica o desenvolvimento dos órgãos. A ciência registra consequência até mesmo em fetos. O material particulado atinge a placenta por meio da respiração da mãe e aumenta os riscos de óbito fetal e nascimento prematuro. 

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"A criança está mais exposta à poluição do ar. Primeiro porque ela tem uma área de troca de gases no pulmão maior que a do adulto. Ela está mais exposta a uma dose maior, porque ela troca mais gases. Além disso, ela brinca muito, então ela respira mais rápido, a frequência respiratória é mais rápida. A poluição tende a se acumular mais em níveis mais baixos, como ela é menorzinha, ela pode estar mais em contato com uma concentração maior de partículas." explica Evangelina Vormittag, médica e diretora Executiva do ISS.

Ela também ressalta também o que torna os impactos mais alarmantes entre as populações periféricas. "Sem dúvida nenhuma, o nível socioeconômico expõe mais as pessoas." Ela cita o acesso inadequado à serviços de saúde e possibilidades de manter cuidados de saúde muito longe do ideal.

"Elas chegam a perder quatro horas por dias no trânsito, nos ônibus, exatamente onde está o diesel e onde tem uma concentração."

A médica afirma que não há justifica plausível para o adiamento, principalmente após dois anos desde a decisão, tempo que poderia ter sido usado para adequação. "O que eles querem agora é que, mais uma vez, quem pague essa conta e sofra com essa situação é a população."

Edição: Rodrigo Chagas