Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida: a crítica aos alimentos ultraprocessados
Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida. Essa é uma das regras propostas pelo escritor americano Michael Pollan, uma referência quando se trata de obras relacionadas ao tema da alimentação saudável.
A ideia por trás da máxima do autor é uma crítica contundente ao crescente consumo de alimentos ultraprocessados - aqueles transformados pela indústria alimentícia durante a produção e que contém apenas derivados dos alimentos em sua forma natural.
Conforme explica a nutricionista Etel Matielo, que assina embaixo da orientação de Pollan, entre as principais características dos alimentos ultraprocessados estão a alta quantidade de sal, açúcar, gorduras, realçadores de sabor e texturizantes.
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São tantos ingredientes artificiais que, segundo ela, muitos produtos que fazem parte da dispensa dos brasileiros não deveriam nem ser considerados alimentos de fato.
“Um ultraprocessado tem aromatizantes, acidulantes, conservantes, sabores artificiais. A formulação apresenta um excesso dessas substâncias que foram parte de alimentos um dia. Além de aumentar as doenças crônicas como obesidade, pressão alta, diabetes e câncer, os ultraprocessados também aumentam alergias e intolerâncias alimentares”, alerta a pesquisadora, doutoranda da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
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Mas como identificar quais são os alimentos que representam uma verdadeira ameaça para a nossa saúde? A nutricionista deixa claro que é preciso estar atento ao rótulo dos produtos e a tabela nutricional de cada um deles.
“Os ultraprocessados são os que tem uma lista extensa de ingredientes, onde na composição nutricional, muitas vezes, tem muita gordura, muito carboidrato. Normalmente é gordura, carboidrato ou muito sal, sódio. São esses ingredientes que aumentam a palatabilidade dos alimentos, que aumentam a nossa vontade de comê-los”, explica.
Ela acrescenta ainda que muitas pessoas compram os produtos sem saber das interferências feitas pela indústria alimentícia. Um exemplo clássico é a margarina, que conta com grande marketing publicitário e que muitas vezes é vendida como uma alternativa saudável.
Enquanto a manteiga é a gordura do leite batido com sal, a margarina tem muito poucos ingredientes naturais em sua composição, carregada de óleo vegetal modificado quimicamente, branqueadores, aditivos químicos, corantes, aromatizantes e vitaminas sintéticas.
E a relação de alimentos populares que integram a categoria do ultraprocessados não é nada curta.
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“Biscoito, sorvetes, balas, guloseimas em geral, cereais açucarados, mistura para bolo, bolinhos industrializados, barras de cereais, salgadinho de pacote, suco de pózinho, iogurte e bebidas lácteas adoçadas e aromatizadas. Produtos congelados pronto para aquecimento como pizza, hamburguer, nuggets. Salsicha, mortadela, embutidos. Os pães de uma forma geral. São muitos alimentos. Ás vezes achamos que é difícil comer mas quando vamos ver, estamos comendo muito [ultraprocessados] ao longo do dia”, comenta Matielo.
Ofensiva
O debate público em relação aos alimentos ultraprocessados veio à tona após um pedido de revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira feito pelo Ministério da Agricultura. A pasta pediu o fim da classificação que desaconselha os ultraprocessados na dieta do brasileiro.
A revisão do Guia contou com grande apoio das corporações do setor de alimento, como produtores de refrigerantes e de salgadinhos. Entre elas Néstle, Unilever, Coca-Cola e Danone.
Na opinião de Etel Matielo, as multinacionais da área transformaram os alimentos em mercadoria e, em busca da manutenção do lucro, rifam a qualidade dos produtos.
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Ela concorda que revisões do Guia são necessárias, mas reitera que elas “devem ocorrer com um processo democrático, participativo, e a partir de orientações sólidas científicas. De pesquisas robustas, como a pesquisa que elaborou a própria construção do Guia, que é uma referência mundial”.
De acordo com a nutricionista, é preciso ainda estar atento aos movimentos das corporações que se apropriam do discurso em defesa da saúde pública com a oferta de produtos que seriam “menos prejudiciais”, como as barrinhas de cereais, refrigerantes e iorgurte lights, mas que continuam sendo ultraprocessados.
“Se formos analisar de forma mais profunda é uma máscara da indústria para continuar mantendo seu lucro, a comercialização.Tem todo um lobby da indústria que não é de hoje.”
A busca por um cardápio que tenha “comida de verdade”, aconselha Etel Matielo, deve ser a prioridade.
“É possível ter uma alimentação com alimentos in natura e minimamente processados. É possível comer só isso e acessar alimentos mais baratos, mais saborosos, que são melhores para a nossa saúde e protegem mais o ambiente”.
Edição: Lucas Weber