Eleições 2020

Nas capitais, 21% dos candidatos negros a prefeito já se declararam brancos

“Não devemos cair na armadilha do ‘meu avô era negro’”, alerta ativista negro

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

107 concorrentes às prefeituras das 26 capitais brasileiras que se declaram pardo ou negro em 2020, 23 pessoas (21%), afirmavam ser brancos nas últimas eleições - Fernando Bertolo

Um fenômeno tomou conta do debate no início da corrida eleitoral deste ano, as constantes mudanças de identificação racial dos candidatos.

Levantamento feito pelo Brasil de Fato mostra que dos 107 concorrentes às prefeituras das 26 capitais brasileiras que se declaram pardo ou negro em 2020, 23 pessoas (21%), afirmavam ser brancos nas últimas eleições.

Sem os 23 candidatos que mudaram de raça desde as últimas eleições, negros seriam 84 (26,4%), do total de 317 concorrentes ao poder executivo das 26 capitais brasileiras. Brancos saltariam de 209 para 232 candidaturas, 73% do total.

Ter antepassados negros não é suficiente para classificar uma pessoa apta para acessar esse tipo de política afirmativa

A troca massiva de raça pelos candidatos ocorre no momento em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que os partidos dividam igualmente a verba do Fundo Eleitoral entre negros e brancos, que será de R$ 2 bilhões em 2020.

"Meu avô era negro"

Para Douglas Belchior, fundador da Coalizão Negra por Direitos, que foi candidato a deputado federal em 2018 pelo PSOL, a manobra dos candidatos está ligada à nova determinação da Corte.

"TSE e partidos políticos devem criar procedimentos para evitar ilegalidades. Fraudes e uso indevido da autodeclaração para fins de obter vantagens irregulares devem ser combatidas", defende.

Leia também: Somente 33% dos candidatos a prefeitos das 26 capitais brasileiras são negros

Belchior considera  que o benefício deve ser estendido aos “negros que sofrem racismo e têm seus direitos negados por serem negros, que são aqueles que trazem a negritude no fenótipo.”

"Não devemos cair na armadilha do ‘meu avô era negro’. Ter antepassados negros não é suficiente para classificar uma pessoa apta para acessar esse tipo de política afirmativa”, critica Belchior.

Solidariedade é o partido com mais mudanças na autodeclaração

O Solidariedade (SD) é o partido de cinco candidatos que mudaram a declaração racial. Dessa forma, a legenda é a que abriga o maior número de trocas. Heitor Ferréz (Fortaleza), Alysson Lima (Goiânia), João Almeida (João Pessoa), Kelps Lima (Natal) e Otaci Nascimento (Porto Velho) são os responsáveis pelas mudanças, todas de branco para pardo.

Capital com maior número de candidatos que mudaram de raça em 2020, Goiânia terá nove concorrentes negros ou pardos à prefeitura de Goiânia. Três deles afirmavam ser brancos nas eleições anteriores: Alysson Lima (SD), que em 2018 disputou o cargo de deputado estadual, Vanderlan Cardoso (PSD), que em 2018 se elegeu senador, e Talles Barreto, que em 2014 foi eleito deputado estadual.

Leia também: A cada 15 candidaturas à prefeitura das capitais brasileiras, apenas 1 é mulher negra

Entre as mulheres, somente Patrícia Ferraz (Podemos) alterou a identidade de sua raça. Ela se declarava branca em 2018, quando tentou se eleger deputada federal pelo PR. Agora, em 2020, quando tentará conquistar a prefeitura de Macapá, se declarou parda.


"Os partidos e o TSE devem criar procedimentos para evitar esse tipo de ilegalidade", afirma Douglas Belchior / Arte: Fernando Bertolo (Brasil de Fato)

 

Edição: Leandro Melito