Integrantes de movimentos populares do Rio de Janeiro, parlamentares e pesquisadores participaram nesta sexta-feira (25) do debate público "Água e saneamento são direitos básicos, não mercadorias". O encontro, promovido pelo mandato da deputada estadual Mônica Francisco (Psol), antecipa o ato nacional no próximo dia 3 de outubro em defesa da soberania e contra a privatização de empresas públicas.
Liderança do Movimento Popular das Favelas, Carla Gregório contou que é nascida e criada no Morro da Cutia, na Zona Norte do Rio, e que viu sua mãe carregando lata d'água na cabeça e, hoje, quase 40 anos depois, seu filho de 22 anos ainda precisa sair de casa para conseguir água.
"Temos problemas crônicos de fornecimento de água e luz elétrica. Infelizmente, as favelas são esquecidas e tratadas como se não fizessem parte da cidade. Por falta de água e saneamento, estamos vivenciando doenças que já haviam sido erradicadas. No meio de uma pandemia, com crianças em casa, como evitar a contaminação se não há água para lavar as mãos, limpar a casa e higienizar alimentos?", questionou Carla.
Leia mais: "Só gestão pública reduz desigualdade no acesso ao saneamento", aponta pesquisadora
Mônica Francisco, que preside na Assembleia Legislativa (Alerj) a Frente contra as privatizações e em defesa da economia do Rio de Janeiro, disse que a população negra e favelada da capital e das periferias no estado é alvo de uma "economia política precarizante da pobreza" e que a falta de acesso à água potável e saneamento básico nessas regiões perpetua as desigualdades de direitos e condições de vida.
"Quem mora nessas áreas não tem abastecimento de água e tratamento de esgoto, ganha 85% menos de salários do que quem mora nas regiões com água potável, saneamento básico e coletiva de lixo seletiva. São tragédias cotidianas sentidas nessa tentativa de se estabelecer uma economia política da pobreza. Por isso, a água não pode ficar á mercê da privatização", afirmou a parlamentar.
Privatização
Os participantes do debate reforçaram o sucateamento do serviço pelo governo estadual como forma de facilitar a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae). Ary Girota, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de Niterói e Região (Sindágua-RJ), denunciou medidas internas na direção da estatal que estão dificultando a chegada de funcionários a algumas regiões para resolver o problema de abastecimento.
"Há uma quadrilha encastelada no governo estadual e que, independentemente do marco legal reformulado e aprovado, já segue de vento em popa para vender a Cedae", criticou Girota, acrescentando que a Alerj precisa convocar o governo estadual para explicar denúncias sobre pressão para que prefeitos assinem contratos de concessão sem que essas medidas passem pelas respectivas câmaras municipais.
Leia também: Artigo | Por que a Cedae precisa se manter pública?
A educadora popular Caroline Rodrigues, da Federação de órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), lembrou que a data de lançamento para o leilão da Cedae é o dia 30 de outubro e que a população precisa se mobilizar e deixar de acreditar que a privatização vai melhorar a prestação de serviço de um direito que pode virar mercadoria.
"Do lado inimigo, a boiada está passando. A experiência internacional de privatização da água e do saneamento mostra que o caminho é errado, mas não precisa ir longe, temos vários lugares do Brasil que passaram por isso. A iniciativa privada, quando percebe que não lucra, devolve o serviço ao poder público sem ter feito as melhorias. E a proposta tem brechas que liberam a iniciativa privada de democratizar o acesso", ressaltou Caroline.
Brechas
Um levantamento do engenheiro sanitarista e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Alexandre Pessoa mostra que a proposta de concessão, elaborada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como contrapartida para o estado do Rio manter o regime de recuperação fiscal com a União, tem lacunas e pontos questionáveis e que facilitam que as empresas privadas não tenham a obrigação de prestar o serviço de forma igualitária para a população na perspectiva dos direitos humanos.
"O executores do plano e da modelagem do BNDES precisam vir à Alerj a fim de dar esclarecimentos acerca da modelagem proposta. Se algum licenciamento ambiental atrasa, a concessionária pode aumentar a tarifa para o consumidor, risco relacionado a disponibilidade hídrica, ou seja, caso falte água ela pode aumentar a conta. Existem diversos dispositivos contratuais que permitem aumento na tarifa. Áreas com falta de segurança na favelas não serão priorizadas. É a lógica para manter rentabilidade e atratividade do setor privado e que não obedece a critérios de saúde pública", argumentou o sanitarista.
Propostas
Entre alguns dos encaminhamentos tirados a partir do debate, o grupo propôs a realização de audiências populares itinerantes em territórios populares, com destaque para alguns municípios da Baixada Fluminense e a região da Zona Oeste da capital, a construção de audiências públicas que cheguem à população, a assinatura e divulgação da carta de compromisso do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) entregue aos candidatos nas eleições e a convocação de representantes do poder público para esclarecimentos sobre a proposta de concessão e sobre denúncias.
Também participaram do debate representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Levante Popular da Juventude, do Plano Popular das Vargens, do Movimento Popular de Favelas, do Fórum Permanente de Debates das Mulheres Negras da Alerj, da União por Moradia Popular no Rio de Janeiro (UNMP), do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), da Campanha Água para Todos, Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio (Faferj), além de representantes dos mandatos dos deputados Eliomar Coelho (Psol), Waldeck Carneiro (PT) e outros parlamentares que compõem a Frente contra as privatizações e em defesa da economia do Rio de Janeiro.
Edição: Mariana Pitasse