No dia 22 de setembro de 2020, como é tradição, o representante do Estado do Brasileiro fez a fala de abertura da Assembleia Geral da ONU. No 75ª aniversário da organização, em função da pandemia da Covid-19, o presidente do Brasil e todos os demais chefes de Estado enviaram vídeos com discursos.
É comum estudar essas falas para entender a orientação estratégica da política externa brasileira. Ainda que se não se possa depreender de um discurso diplomático todo o conjunto de interesses e determinações que envolve a inserção internacional de um Estado em determinada conjuntura política internacional, é possível, no entanto, entender os principais interlocutores, algumas nuances e questões relevantes.
Houve falas marcantes, como a de Oswaldo Aranha em 1948, na primeira sessão da Assembleia Geral, quando defendeu a repartição do território da Palestina permitindo a criação do Estado de Israel (uma postura cheia de controvérsias). O discurso de Araujo Castro em 1963 que apresentou a diretriz da Política Externa Independente através dos 3Ds (desenvolvimento, desarmamento e descolonização). E o primeiro discurso de uma mulher: Dilma Rousseff.
Esse discurso de Bolsonaro era aguardado dentro e fora do país. Mas não pela expectativa de ouvirmos algo inusitado, coerente, mas, pela certeza que estaria presente a ideologia neofascista que tem sido a base da subordinação do Brasil aos Estados Unidos neste governo.
Nos quatorze minutos de fala identifica-se três inimigos contra os quais ele tentou se defender ou atacar: aqueles que têm atacado a política ambiental (as queimadas da Amazônia e do Pantanal, o Estado venezuelano acusado de ter derramado óleo nas praias brasileiras, e a suposta cristianofobia. São três construções fantasiosas, mas, que trazem em si os interesses de classe que governo representa. Ao tentar dizer que o Estado é contra os crimes ambientais, a biopirataria e extração da madeira: responde aos ataques da União Europeia que colocam em xeque o Acordo com o Mercosul e as posições dos democratas nos Estados Unidos (congressistas e o candidato Joe Biden) que vêm se colocando em defesa da Amazônia.
As acusações sobre a Venezuela, além de desviarem as incapacidades que o governo teve em conter o derramamento de óleo no litoral, contribui na luta dos Estados Unidos contra o governo Maduro. Tenta justificar o papel que o Estado brasileiro vem assumindo em relação ao Estado vizinho, permitindo ameaças e uso do território nacional para uma possível invasão imperialista, como se pode ver na visita do Secretário de Estado, Mike Pompeo, à Roraima, no dia 19 de setembro. Por fim, ao apelar no combate da cristianofobia, deixa evidente a aliança transnacional construída entre governo Trump, governo Bolsonaro e o Estado de Israel.
No meio do discurso também aparece a propaganda sobre as reformas políticas domésticas como meio de conquistar investimento externo ou vender os ativos nacionais passando os custo aos trabalhadores. Trata-se da meta do ingresso na OCDE. Segundo ele, o pacote inclui: a reforma financeira, a segurança digital, a proteção ambiental, a reforma da previdência (aprovada em 2019), as reformas tributária e administrativa (que estão em debate no Congresso) e os novos marcos regulatórios do gás natural e saneamento. Isso indica que o capital externo ocupa uma posição privilegiada no seio do bloco no poder. Ele também afirmou que o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo: reforçando a vocação agrária e a relação do governo com o agronegócio.
O projeto é claro: subordinação passiva ao imperialismo. Neoliberalismo 2.0 levado ao extremo. A economia acima das vidas.
A frase final de Jair Bolsonaro foi: o Brasil é um país cristão e conservador, e tem a família na sua base. A análise que podemos fazer é: o governo Bolsonaro é fascista e comete crime de lesa pátria.
* Tatiana Berringer é professora de Relações Internacionais da UFABC.
Edição: Rodrigo Durão Coelho