Mais tempo em casa, excesso de tarefas e dificuldade para conciliar família e trabalho com a nova rotina imposta pela pandemia. A quarentena mostrou que as mulheres, principalmente mães solteiras, têm sido as mais impactadas pelas restrições impostas para controlar a disseminação da covid-19.
Lucimar Silva, 49 anos, atua como ambulante no centro do Rio de Janeiro. A vendedora é mãe solteira de uma criança autista de 10 anos e de um jovem de 24 anos. Com a escola fechada, para voltar a trabalhar, Lucimar precisou contar com o apoio do filho mais velho, que está desempregado, para cuidar do irmão.
“Tudo aumentou. A venda da gente caiu 60%, caiu muito. Nossa situação é mais complicada ainda, mas estamos levando”, conta a camelô.
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A mais de 400 quilômetros do Rio, na cidade de São Paulo, a antropóloga Eugenia Brage, 35 anos, também tem esbarrado em dificuldades para trabalhar e ficar com o filho de três anos. Mãe solteira e imigrante, a pesquisadora está com uma rotina profissional mais intensa e mesmo dividindo a guarda da criança com o pai, o dia a dia tem sido desgastante.
“Para mim, a rotina mudou completamente, meu filho ficava na escola das 8h às 17h30. Esse era o horário que eu tinha para trabalhar. Moro sozinha com ele, mas divido a guarda com o pai. São três dias com ele e três dias sozinha", afirma a pesquisadora.
Eugenia disse que se sente "auto-explorada" nos dias em que está sozinha e que percebe que a carga de trabalho é muito intensa. E nos dias com o filho, não consegue dedicar tempo ao trabalho. "Como estou sozinha, atrapalha bastante a rotina profissional. Se tenho uma reunião, tenho que dar aula, fica mais difícil porque na idade dele há a necessidade de mim para tudo”, relata.
Desigualdade de gênero
O caso de Lucimar e Eugênia não é isolado e ambas compõem a estatística de mulheres que, mesmo com filhos pequenos, ainda conseguem se manter no mercado de trabalho durante a pandemia. A pesquisa “Mercado de Trabalho e Pandemia da Covid-19: Ampliação de Desigualdades já Existentes?” realizada em julho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e atualizada a pedido do portal G1 aponta que a taxa de participação de mulheres com filhos de até 10 anos no mercado de trabalho caiu de 58,3% no segundo trimestre de 2019 para 50,6% no mesmo período deste ano.
De acordo com a reportagem do G1, a participação média de mulheres no mercado de trabalho ficou em 46,3% entre abril e junho de 2020. É o menor índice desde 1990. Essa taxa representa o percentual de mulheres que estão trabalhando ou procurando emprego, dividido pela participação total de profissionais no mercado com 14 anos ou mais.
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O desemprego entre mulheres também foi evidenciado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, o percentual de desemprego registrado no segundo trimestre deste ano foi de 12% para os homens e de 14,9% para as mulheres.
No artigo "Mulheres e mercado de trabalho: Pandemia e desigualdade de gênero", publicado na revista Justiça e Cidadania em junho, a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, ressaltou que a pandemia aumentou a desigualdade de gênero no país e, principalmente, a sobrecarga com tarefas domésticas.
“O fechamento de escolas e de creches também impôs encargos adicionais significativos para as mulheres em casa. Essa circunstância atrai reflexões sobre a cidadania feminina, no que diz respeito à divisão sexual de tarefas domésticas, sendo essas últimas socialmente atribuíveis às mulheres, e que, na prática, representam dificuldades, quando não obstáculos, para a inserção e a presença delas no mercado de trabalho”, escreveu.
De acordo com a magistrada, é fundamental um olhar atento para a situação das mulheres durante e após a pandemia. “Em suma, as mulheres têm sido sobremaneira afetadas pela crise pandêmica, e sem que as medidas, executivas, legislativas ou judiciárias, sejam, até aqui, suficientes para concretizar o princípio da igualdade”, afirmou.
Edição: Eduardo Miranda