Após 12 dias de tensão no sul da Bahia, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) se aproximam de um acordo para suspensão de todas as reintegrações de posse previstas para ocorrerem no assentamento Jacy Rocha, no município de Prado. Com isso, fica afastada a possibilidade de uma ofensiva da Força Nacional contra o movimento popular.
O envio das tropas federais gerou um mal-estar envolvendo os governos federal e estadual, pois cabe aos governadores requerer o uso da Força Nacional. Rui Costa (PT), mandatário baiano, chegou a afirmar que “tal ato pode configurar quebra do pacto federativo e flagrante desrespeito à lei", além de pedir explicações ao ministro da Justiça.
Os cem soldados das tropas federais foram enviados para acompanhar o Incra em visitas técnicas em dois assentamentos, Jacy Rocha e Rosa do Prado, ambos em Prado, no extremo sul da Bahia, e uma ação de reintegração de posse de um casal expulso pelo MST de uma das áreas.
O acordo
Durante a última semana, MST e Incra se reuniram três vezes. Também participaram dos encontros, representantes da Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura e o comando da Polícia Federal na Bahia.
O acordo firmado na segunda-feira (14) prevê que a Força Nacional, que chegou na região dia 3 de setembro, acompanhe o Incra em visitas técnicas aos lotes das 227 famílias que vivem no Jacy Rocha e 300 do Rosa Prado. Os servidores farão o georreferenciamento dos terrenos. Porém, não haverá despejo, mesmo dos assentados que não tenham a documentação completa da área.
Força Nacional
No dia 26 de agosto, agentes da Polícia Militar foram até o Jacy Rocha. Na entrada do assentamento, afirmaram que escoltavam um representante do Incra, que estaria em um carro branco – o suposto servidor não saiu do automóvel e nem foi identificado. O objetivo seria reintegrar o já mencionado casal: Aparecida da Silva Sousa Santos e José Carlos Bispo dos Santos, expulsos da comunidade pelo movimento em novembro de 2019.
A expulsão ocorreu após eles descumprirem regras impostas pelo MST nos assentamentos, como ausentar-se por mais de 30 dias do lote sem justificativa, não contribuir com o trabalho coletivo, além de portar arma de fogo dentro da área. Os assentados afirmaram ainda à reportagem do Brasil de Fato que Bispo dos Santos e Aparecida roubavam gado de outros produtores rurais e estavam envolvidos com o tráfico de drogas na região.
Mas, naquele dia 26, sem a identificação do representante do Incra e nem a apresentação do mandato judicial autorizando a reintegração de posse, o MST não permitiu a entrada da Polícia Militar na área com o casal.
Dois dias depois, o casal foi até o Jacy Rocha com outras 13 pessoas e tentou forçar uma retomada do antigo lote. Porém, foi expulso da área por integrantes do MST. O episódio foi usado por Nabhan Garcia, secretário Especial dos Assuntos Fundiários, que seguiu pessoalmente até a região, para justificar o pedido de uso da Força Nacional na região, prontamente aceito pelo Ministério da Agricultura, que solicitou o apoio da Força Nacional ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Cem agentes da Força Nacional foram enviados, então, para Prado e Mucuri, município vizinho onde o MST também mantém outros oito assentamentos, após a publicação da Portaria 493, no dia 2 de setembro. O destacamento permanece na região até 2 de outubro, com possibilidade de renovação por mais 30 dias.
O envio da Força Nacional foi criticado por atores do sistema judiciário. Os procuradores federais Deborah Duprat e Marlon Alberto Weichert divulgaram uma nota pública, no dia 3 de setembro (3), condenando a operação.
“Em conclusão, o Ministro da Justiça e Segurança Pública extrapolou sua competência ao editar a Portaria MJSP nº 441, de 2019. O governo federal não pode autorizar que a FNSP seja utilizada em ‘ações de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas (...) na Esplanada dos Ministérios, em Brasília/DF’, à margem de solicitação prévia do governador”, apontam os procuradores.
Documentação
Quando o nome do assentado aparece na Relação de Beneficiários, a família recebe o instrumento de titulação aplicável à área destinada, para exploração do terreno. Com o nome na lista, a permanência no terreno está garantida.
Em seguida, o Incra envia o Contrato de Concessão de Uso (CCU), um documento provisório de posse da terra. O próximo passo é a entrega da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), certidão definitiva do lote.
O Incra iniciou as visitas técnicas pelo Rosa do Prado, onde vivem 300 famílias, e deve encerrar os trabalhos na área na próxima quinta (17), sem despejos. Não há, ainda, um levantamento sobre quantas pessoas aguardam a inclusão na Relação de Beneficiários do Incra. A operação do Incra no Jacy Rocha começa nesta sexta-feira (18).
Das 227 famílias do Jacy Rocha, 69 não estão na Relação de Beneficiários. Dessas, 24 estão bloqueadas por algum entrave burocrático. É o caso de Maristela Cunha, dirigente estadual do MST que foi professora de matemática na Escola Estadual do Campo Anderson França, que fica dentro da área, em 2013.
Servidores públicos não podem ser assentados em terras destinadas à Reforma Agrária. Porém, Maristela alega que foi professora apenas durante o ano de 2013 e como voluntária na escola. O cadastro do assentamento, para inclusão de famílias na Relação de Beneficários, foi feito em 2015.
“Eu não sou servidora pública, dei aula por um ano, nunca mais. Eu já fui na Secretaria de Educação e nada, já fui no Incra e nada. Eu vim para o assentamento e o setor de educação precisava de uma professora, eu ajudei. Não posso ser punida por isso”, relata.
Os outros 45 que aguardam a inclusão na Relação de Beneficiários para receber a concessão reclamam da demora do Incra em atender as famílias. “Eu cheguei aqui tem dez anos. Em 2015 eu dei entrada no Incra e até hoje não recebi o documento. Vamos ver o que eles vão fazer com a gente, mas não podem nos colocar para fora daqui se eles se recusam a dar o documento que estamos esperando”, protesta o assentado.
Procurados, Incra e Polícia Federal não se manifestaram até o fechamento desta matéria.
Edição: Rodrigo Durão Coelho