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Papo Esportivo | Precisamos parar de normalizar a violência no esporte

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Na última semana, jogadores cruzaram os braços por um minuto antes do início das partidas em protesto ao episódio de violência no estádio do Figueirense (SC) - Reprodução
Futebol vem se tornando um ambiente cada vez mais tóxico por culpa da imprensa, torcedores e clubes

Serei curto e grosso, pessoal. Estamos normalizando a violência no esporte. Aliás, fazemos isso desde "os tempos em que Dondon jogava no Andaraí", tal como dizia no samba de Nei Lopes. Só que os protestos violentos, invasões de centro de treinamento, ameaças à integridade física de jogadores e seus familiares e outras barbáries estão ficando cada vez mais comuns.

O grande problema é que tudo isso é tratado com uma normalidade assustadora por boa parte da imprensa esportiva.

Não cobramos das autoridades que os brigões sejam encontrados e punidos e nem cobramos dos dirigentes que tomem as providências necessárias para proteger os empregados do clube. E além de tudo isso, ainda temos a péssima mania de colocar atitudes horrendas como racismo, machismo e homofobia dentro de um balaio chamado de “coisas do futebol”. Como se o velho e rude esporte bretão tivesse sido criado pra isso.

Infelizmente, o futebol vem se tornando um ambiente cada vez mais tóxico por culpa da imprensa, dos torcedores e também dos clubes. Só nas últimas semanas, tivemos uma série de agressões de todos os tipos.

Dia 19 de agosto de 2020: um grupo de pessoas protestou contra o elenco do Palmeiras depois da vitória sobre o Athletico Paranaense por 1 a 0 no momento em que a delegação já se preparava para pegar o vôo de volta para São Paulo. Jogadores, o técnico Vanderlei Luxemburgo e o presidente Maurício Galiotte foram hostilizados. A justificativa? Esses “torcedores” diziam não estar satisfeitos com o desempenho do time. 

Dia 5 de setembro de 2020: cerca de 40 pessoas invadiram o estádio Orlando Scarpelli, em Florianópolis, e agrediram jogadores e funcionários do Figueirense. Os agressores soltaram rojões em direção aos jogadores que realizavam um trabalho regenerativo no dia seguinte à derrota do Figueira para o Paraná Clube por 1 a 0, em jogo válido pelo Brasileirão da Série B.

Dia 9 de setembro de 2020: torcedores do Fluminense usaram as redes sociais para criticar e até mesmo ameaçar fisicamente o garoto Calegari, que pediu a camisa do uruguaio Arrascaeta na derrota para o Flamengo por 2 a 1 no Maracanã.

Dia 13 de setembro de 2020: torcedores do Flamengo literalmente pediram a cabeça do zagueiro Léo Pereira após este sair de campo conversando de maneira descontraída com o meio-campo Vina, após a derrota por 2 a 0 para o Ceará. Os dois foram companheiros de equipe quando vestiram a camisa do Athletico Paranaense entre 2016 e 2017.

Ainda no dia 13 de setembro de 2020: após a derrota para o Fluminense por 2 a 1, no Rio de Janeiro, torcedores do Corinthians receberam o time no Aeroporto Internacional de Guarulhos com ameaça de agressão física, xingamentos e intimidação. Alguns jogadores chegaram a correr para conseguir entrar no ônibus que aguardava a delegação.

Eu e você estamos literalmente assistindo a uma escalada de violência no futebol brasileiro.

São relatos de agressões, xingamentos e ameaças de todos os tipos. E seguimos assistindo a tudo parados, sem cobrar nada de ninguém. Parece que aquela voz de locutor esportivo aparece na nossa mente para dizer que “são coisas do futebol”. Nunca foi. E nunca será. Não do futebol que me foi apresentado.

O futebol é o reflexo quase perfeito da nossa sociedade. Se normalizamos agressões a minorias, destruição descarada do nosso meio ambiente e uma série de injustiças, o que podemos esperar do velho e rude esporte bretão praticado aqui? Rosas perfumadas? Nuvens fofinhas? Gatinhos peludos?

Não, não e não. O que temos aqui é o mais puro suco de violência travestida de paixão normalizada por quem deveria combater tudo isso. E só vamos tomar uma atitude quando acontecer uma tragédia. Metam uma coisa na cabeça de vocês: racismo, machismo, homofobia e violência (seja ela física ou verbal), contra jogadores em estádios, aeroportos ou CT’s devem ser combatidos sempre, sempre e sempre. Não por um futebol mais justo, mas por uma sociedade mais justa também.

Mais do que nunca, é preciso ser exemplo e não o reprodutor dessas ideias nefastas.

O “torcedor” que faz isso precisa ser cobrado como cidadão e responder pelos seus crimes. Sim, cara pálida. Ameaça e agressão física ou verbal é crime previsto em lei. É só ler o que está no papel e aplicar. Simples.

Ao mesmo tempo, a nossa imprensa esportiva ainda insiste em normalizar todos esses atos hediondos. É goleiro com acusação de violência doméstica sendo chamado de “polêmico” por locutor famoso em transmissão de canal esportivo conceituado, é coleguinha minimizando xingamento racista (e até justificando esse ato) e jornais tratando invasões e agressões como algo normal, algo que “acontece”.

E não é só isso. Pouco se fala do jogo em si. O que mais vemos é jornalista dando informação falsa e banalizando expressões como “vergonha”, “humilhação”, “vexame” e outras para ganhar cliques e menções em redes sociais. 

E também vale lembrar que vários desses episódios de violência (principalmente as invasões a CT’s e as agressões em aeroportos) contam com a facilitação dos nossos dirigentes. Nada como uma confusãozinha com o elenco para desviar o foco da má gestão feita nos nossos clubes, não é mesmo? Suspeitem das frases feitas e do presidente de futebol que se comporta como “torcedor apaixonado”. Geralmente, esses são os que mais têm culpa no cartório e os que mais precisam ser cobrados.

Bom, você já viu este colunista afirmar mais de uma vez que o futebol é uma das maiores invenções da humanidade depois do sorvete de flocos e do pão de queijo. Só que está cada vez mais difícil acompanhar o velho e rude esporte bretão por conta de tudo o que foi falado anteriormente. É triste ver a quantidade de gente sem escrúpulos e sem caráter colocando a máscara de “torcedor” (ou de “jornalista”), fazendo lambança e promovendo a violência por aí.

E o pior de tudo é constatar que as coisas só vão mudar de verdade quando acontecer uma tragédia. Normalização da violência não dá, pessoal. 

Edição: Mariana Pitasse