Um novo portal de jornalismo é lançado nesta sexta-feira (11) na Argentina. A Agência Rede Global, ARGMedios, nasce de uma proposta de comunicação popular que tem como objetivo “promover uma agenda alternativa, tendo a informação como um direito e não como um bem negociável”, como afirma seu editorial.
Em um contexto que define como de "crise civilizacional", o novo meio argentino busca articular uma lógica colaborativa, em rede com outras experiências de comunicação, tanto na Argentina quanto ao redor do mundo.
Dentro dessa proposta, o Brasil de Fato se apresenta como um dos parceiros do novo portal, compartilhando suas premissas e apoiando a iniciativa.
Confira o primeiro vídeo da ARGMedios:
O editorial do portal reforça a necessidade de democratizar a informação e a comunicação através da prática, em que suas e seus colaboradores ao redor do mundo têm um papel fundamental.
"Filhos e filhas de uma democracia imperfeita, queremos contribuir para a correção de suas carências no território que nos convoca. Conhecemos em primeira mão as dificuldades das mídias alternativas para atingir o grande público, o que é uma preocupação válida e não deve se perder na busca de fazer mais e melhor jornalismo".
A cobertura jornalística que a ARGMedios propõe está voltada para uma visão popular com ênfase nos países do sul global, como diz seu editorial, em contraposição à lógica que marca os meios de comunicação hegemônicos e empresariais:
“[Estamos] cientes da existência de vivências e noticiários que transcendem a ideia de ‘comunidade internacional’, monopolizada em geral por um punhado de nações dominantes no noticiário”.
Com colaboradores em diversas partes do mundo, o meio propõe, ainda, uma diversidade de formatos, em conteúdo e mídia, passando pelo audiovisual, artes gráficas e rádio.
O projeto recém-lançado tem como base a potente história do jornalismo comprometido com as lutas populares, na qual se insere o jornalista e escritor argentino Rodolfo Walsh, autor do livro Operação Massacre e assassinado pela ditadura militar argentina dos anos 1970.
O legado do autor é reconhecido como uma das principais referências da ARGMedios para reafirmar a importância de um jornalismo que combina “veracidade informacional, rigor analítico, compromisso social e qualidade narrativa”.
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Leia, abaixo, o editorial do portal.
Informações em rede para um mundo em disputa
A principal responsabilidade do jornalismo é dar testemunho em tempos difíceis. Foi o que aconteceu em 24 de março de 1977, quando um escritor argentino assinou com seu sangue a obra jornalística mais importante de nossa história recente, combinando veracidade informacional, rigor analítico, compromisso social e qualidade narrativa. E continua verdadeiro hoje, em um mundo que enfrenta perigos conhecidos e desconhecidos, atravessado por uma iminente crise econômica e civilizacional, adicionada ao novo contexto pandêmico. A ARGMedios surge neste mundo, neste momento e sob essa premissa.
Em tempos de notícias falsas e operações políticas implantadas ao vivo, quando há quem se vanglorie de contar quantas capas precisam para derrubar este ou aquele governo, acreditamos que o jornalismo sem ética ou rigor pode ser eficaz, mas não é jornalismo. Vamos deixar o jornalismo de guerra para os correspondentes de guerra.
Partimos da ideia de que “quando você tem algo a dizer, você escreve em qualquer lugar”. Por isso decidimos lançar na arena um projeto de comunicação crítica, com uma equipe empenhada e uma rede de correspondentes capazes de contar a história e de fazer a história dos territórios. Da Argentina, mas de olho no mundo. Para além da cidade de Buenos Aires, em busca de uma agenda nacional e federal. Na América Latina, em toda a sua extensão continental, do Cone Sul ao Caribe. E com marcada ênfase nos países do sul global, cientes da existência de vivências e noticiários que transcendem a ideia de “comunidade internacional”, monopolizada em geral por um punhado de nações dominantes no noticiário e tudo mais.
Somos guiados por uma tradição de imprensa onde os melhores jornalistas já passaram pela crônica, pelo ensaio, pela poesia e pelo romance, por isso acreditamos que a palavra escrita é fundamental e necessária. Mas não qualquer palavra, mas a palavra certa em seu duplo sentido de relevância e justiça, de precisão e beleza. Escrita responsável e informada com a voz insubstituível dos protagonistas. Mas a palavra escrita é tão necessária quanto insuficiente: somos porque sabemos e sabemos por múltiplos sentidos. É por isso que a ARGMedios é considerado diverso em conteúdo e mídia, habitando o audiovisual, as artes gráficas e a rádio, cada um com sua linguagem específica e seus desafios particulares.
Mas a ambição de instalar uma agenda própria por meio de argumentos ou boas ideias neste ponto é ingênua. Vemos como a promessa democrática da mídia digital e das redes sociais não é verificada na realidade. Ao contrário, assistimos um cenário de concentração crescente de empresas oligopolistas, de confusão deliberada entre “liberdade de imprensa” e “liberdade de negócios”, ausência de transparência e neutralidade nas redes. O que a princípio é um panorama complexo não nos desanima, mas acreditamos que o enfrentamento desse cenário requer maiores níveis de articulação.
A democracia não é uma técnica, nem a democratização da informação e da comunicação surgirá por geração espontânea. Filhos e filhas de uma democracia imperfeita, queremos contribuir para a correção de suas carências no território que nos convoca. Conhecemos em primeira mão as dificuldades das mídias alternativas para atingir o grande público, o que é uma preocupação válida e não deve se perder na busca de fazer mais e melhor jornalismo. Por isso, acreditamos que os esforços devem ser direcionados à construção de uma rede com outras experiências de comunicação; articular e superar obstáculos de uma lógica colaborativa.
A ARGMedios pretende comunicar sem corporativismo. Não estamos aqui para nos construirmos, mas para promovermos uma agenda alternativa e popular, tendo a informação como um direito e não como um bem negociável. Uma comunicação que valoriza as pessoas e não as coisas, capaz de recuperar processos e contextos. Isso se comunica sem saturar. Que ele recupere uma reivindicação de verdade, gravemente ferida nos altares da pós-verdade.
A ARGMedios quer dar testemunho novamente em tempos difíceis. Mas não sozinhos ou carentes de referências, queremos articular experiências e projetos que se identifiquem nesta busca. De nossa humilde trincheira, estamos comprometidos em construir um mundo mais justo e confiável.
Edição: Luiza Mançano