Em verdade, o que está em jogo é quem irá pagar pela crise econômica, sanitária e social
Por Thiago Duarte Gonçalves*
Desde o golpe de 2016 contra a democracia, temos visto um forte ataque neoliberal aos direitos sociais dos trabalhadores. Primeiro com Temer e agora com Bolsonaro, sofremos sucessivos golpes:
- a EC 95/16, que congelou o investimento estatal em educação, saúde e outros gastos por 20 anos;
- em 2017, a reforma trabalhista que retirou diversos direitos, enfraqueceu financeiramente os sindicatos, reconheceu os acordos individuais em detrimento da negociação coletiva, entre outros;
- ainda em 2017, a ampliação da terceirização para todas as atividades, sem maiores proteções aos trabalhadores;
- eleição do Bolsonaro e seu governo com características neofascistas e ultraliberais em 2018; em 2019 a aprovação da reforma da previdência que reduziu salário e valores da aposentadoria, dificultando ainda mais sua aquisição pelo decurso do tempo.
Estas aprovações vieram com forte avanço ideológico do neoliberalismo, colocando os antineoliberais numa defensiva histórica. Uma parte considerável dos trabalhadores perdeu essa condição para tornarem-se microempreenderes, ou “empregados de si próprio”; os servidores públicos foram declarados inimigos da eficiência e do avanço da sociedade; as empresas estatais foram sucateadas em pouco tempo, sendo muitas vendidas ou em processo de venda.
A reforma administrativa (PEC 32/20) apresentada pelo governo, juntamente com as PECs 186 e 188, procura fechar um ciclo, em pouco tempo, de mudanças profundas no arcabouço jurídico brasileiro. E não há nenhum catastrofismo na análise.
Das questões principais da reforma, vale destacar:
- administração pública direta e indireta só ocupará espaço na economia se a iniciativa privada não ocupar este espaço; princípio da subsidiariedade;
- o fim da estabilidade para a maioria dos servidores, permitindo o aparelhamento da extrema direita e ampliando a influência de grandes grupos econômicos na administração pública;
- a permissão, expressa, de convênios com entidades privadas para a execução de serviços públicos;
- desconstitucionalização de diversos direitos, para ter maior facilidade de aprovação com quórum menor;
- redução de salário de até 25% dos servidores públicos, com redução de jornada, sem garantia de negociação coletiva;
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Porém, antes de debater o que fazer e saber exatamente do que se trata a PEC 32, vale a pena entender o que a reforma administrativa não aborda: fim do nepotismo na administração pública; fim da aposentadoria compulsória como “punição” para juízes e procuradores; teto de rendimento da casta do funcionalismo público como juízes, procuradores, políticos, em geral (estes sim, castas); nenhuma mudança substancial para os militares.
Depois de um aumento salarial mais do que generoso ano passado e de uma reforma da previdência bem mais leve do que dos demais trabalhadores, os militares novamente, sejam bombeiros, PMs ou carreira das Forças Armadas, foram agraciados por Bolsonaro.
Além disso, importante destacar que para vários pontos os atuais servidores são atacados direta e indiretamente. É mentira dizer que não afeta os atuais servidores
Em verdade, o que está em jogo é quem irá pagar pela crise econômica, sanitária e social. Se serão os trabalhadores privados e públicos ou os milionários/ bilionários deste país.
O sindicalismo precisará se reinventar em pouco tempo para enfrentar o que está por vir, caso contrário, será o mesmo destino da EC 95, das reformas trabalhista e da previdência, com uma mudança estrutural no serviço público.
Será preciso falar além da bolha de ativistas (sejam servidores ou não) e movimentar máquinas sindicais burocráticas, que utilizam muito mais de pirotecnia sindical do que de luta concreta como instrumento de pressão. O desafio não é pequeno, mas é possível. Nas ruas, nas redes sociais e na pressão parlamentar, precisamos, junto com os movimentos populares, derrotar essa reforma administrativa, que poderá ser, por que não, o início da derrota do governo Bolsonaro.
*Thiago Duarte Gonçalves é Diretor da Fenajufe (Federação dos Trabalhador@s do Judiciário Federal)
Edição: Rodrigo Chagas