orçamento 2021

Artigo | O orçamento de Paulo Guedes não serve aos atuais desafios do país

A proposta orçamentária enviada por Paulo Guedes não deixa dúvidas, ela não está à altura dos desafios do nosso tempo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Um grande exemplo deste movimento, foi o irrisório reajuste do Salário Mínimo para 2021, o valor ficou aquém, inclusive, do previsto pelo próprio governo no início do ano. - Marcello Casal / Agênia Brasil

Parece que o clamor da atual conjuntura brasileira de pandemia, desaceleração econômica e aumento da pobreza e do desemprego não chegaram aos ouvidos da atual gestão econômica para guiar a elaboração do projeto de orçamento para o ano de 2021. O projeto de lei orçamentária anual (PLOA) enviado ao congresso, na última semana, nem de longe está à altura dos desafios pelo quais nosso país atravessa e, que, assolam frontalmente nossa população.

A primeira grande demonstração do descompasso entre a necessidade da atuação do Estado e a efetiva postura da atual gestão, é a manutenção da regra fiscal do Teto dos Gastos. Ao vincular a valorização do orçamento das políticas sociais somente a inflação, elas acabam comprimidas, mas mais do que isso, num momento de desaceleração econômica, como a que vivemos no momento e, que, colocou nossas taxas de inflação em patamares muito baixos, os repasses para estas áreas essenciais tendem a recuar cada vez mais.

Um grande exemplo deste movimento, foi o irrisório reajuste do Salário Mínimo para 2021, o valor ficou aquém, inclusive, do previsto pelo próprio governo no início do ano. Fixado em R$ 1.067,00, é o quarto ano consecutivo em que os trabalhadores não detêm ganhos reais de valorização salarial.

O salário mínimo é um importante componente econômico, que inclusive já serviu como elemento de destaque na política econômica. Entre 2003 e 2014, em um momento de virtude nos indicadores sociais e econômicos, a política de valorização do salário mínimo foi um dos principais propulsores destes resultados ao aumentar gradativamente o poder de compra do conjunto da população.

Isto porque o salário mínimo funciona como uma espécie de farol que ampara as demais faixas de rendimentos do mercado do trabalho, além do valor dos benefícios da assistência social e aposentadorias. Atualmente cerca de 50 milhões de pessoas têm seus rendimentos associados diretamente ao piso nacional, assim uma valorização que se desdobrasse em ganhos reais de rendimentos, sobretudo, entre as camadas mais pobres da população, poderia servir como um importante fator da manutenção da demanda e, consequentemente, de estimulo econômico.

Além de não parecer se importar com estes fatores, a equipe econômica liderada por Paulo Guedes, se mostrou pouco preocupada com os desdobramentos da pandemia do novo corona vírus para o ano de 2021. Primeiro porque ao manter o teto, restringe nossas condições de ampliar os investimentos públicos, ainda que a cifra seja superior ao montante de 2020, ainda está muito aquém do que necessitamos. O investimento público é fator essencial, se não o único, para a retomada econômica e a geração de empregos. Na direção oposta, o que vemos são os investimentos públicos no Brasil alcançarem os menores patamares dos últimos 50 anos, além da recente queda do PIB ter como um dos principais componentes a significativa redução dos investimento em formação bruta de capital fixo, que diz respeito a ampliação da nossa capacidade produtiva nacional.

Uma das parcas propostas de investimento, parece ser uma capitalização de cerca de R$ 4 bilhões nas empresas estatais Itaipu Binacional e Eletrobras Termonuclear com o objetivo de vende-las a médio prazo.

Mas, mais preocupante que os investimento é que, em um momento em que nunca se demandou tanto do sistema público de saúde, o orçamento destinado para sua manutenção sofreu redução de R$ 2,2 bilhões, ou seja, cerca de menos 2% em relação aos gastos planejados pelo mesmo governo no projeto enviado a parlamentares ano passado (LDO), antes da pandemia que já matou mais de cem mil pessoas no país.

Nesse mesmo sentido, a redução significativa do orçamento da pasta de ciência e tecnologia ( menos 25% ), evidencia com clareza a prioridade que a atual gestão dá para o desenvolvimento da ciência no Brasil. Em um momento em que o mundo inteiro recorre a ciência na busca por vacina ou por respostas mais eficazes aos desafios deflagrados por este fenômeno mundial, o Brasil não só não se mostra disposto a valorizar esta esfera, como marca posição na sua “vocação” em ser uma país de estrutura produtiva arcaica e atrasada.

Por fim, e não menos importante, um elemento ainda ronda este debate. A famigerada proposta do Renda Brasil não foi apresentada no projeto enviado, mas fica a promessa de ser elaborada e enviada posteriormente. Há um fomento de verba considerável no programa Bolsa Família, que passará de cerca de R$ 29 bilhões para R$ 35 bilhões em 2021.

À primeira vista isto pode parecer muito positivo, e de fato é, pela possibilidade de ampliação do benefício para um número maior de famílias. Contudo, quando olhamos sob qual conjuntura este incremento é sinalizado, não há como não se preocupar.

A proposta de Renda Brasil vem sendo discutida como uma possibilidade somente diante da extinção de outras políticas sociais, além disso, o financiamento de uma renda básica tem sido usado pelo atual ministro como justificativa para aprofundar a discussão acerca da desvinculação de receitas para as áreas de saúde e educação, e para o aprofundamento da defesa da quebra do repasse constitucional mínimo para estas áreas.

Uma capitalização do Bolsa Família é importante e um ponto positivo, mas que ela não se torne um trampolim para a efetivação da Renda Brasil, pautada nessa configuração maquiavélica que visa diminuir ou extinguir programas e politicas sociais de alto impacto nas condições de vida da população brasileira.

Com isso, não é tão difícil perceber que a proposta orçamentária enviada por Paulo Guedes não deixa dúvidas: ela não está à altura dos desafios do nosso tempo. Mas, mais do que isso, longe desta discussão estar encerrada, as disputas acerca do orçamento serão palco de embates importantes e que dizem respeito diretamente às nossas condições de vida. É uma pena que o atual responsável pela gestão econômica e orçamentária pareça ser o nosso principal inimigo.

 

* Iriana Cadó é Economista especialista em Economia Social e do Trabalho. Militante da Consulta Popular.

Edição: Rodrigo Durão Coelho