Paraná

Preconceito

Cacique Avá Guarani é preso acusado de furtar espigas de milho no Oeste do Paraná

Conselho Indigenista Missionário aponta prisão como preconceituosa e racista

Francisco Beltrão (PR) |
Irmão diz que cacique Crídio Medina foi levado para fazer registro de ocorrência na quarta (26) e não retornou à aldeia - Divulgação/Cimi

O Cacique Avá Guaraní Crídio Medina, da aldeia Ywyraty Porã, de Terra Roxa, município do Oeste paranaense, foi preso na noite de quarta (26), acusado de furtar espigas de milho da propriedade que faz divisa com a aldeia. Segundo o irmão do cacique, Laucidio Medina, de 38 anos, policiais civis de Terra Roxa disseram que o cacique iria à Delegacia prestar depoimento e seria liberado, mas até o meio-dia desta sexta (28), a comunidade não tinha notícias de Crídio.

De acordo com Laucídio, na quarta-feira, crianças foram até a terra vizinha e recolheram algumas espigas de milho que haviam sobrado da colheita normal. As espigas seriam usadas para preparar Avati Ku’i (farinha) e para fazer o Kangui e rora, bebida típica dos Guarani, produzida com milho maduro. Ao ver as crianças com as espigas, o dono das terras acionou a polícia.

“Eles entraram até aqui e acharam o milho que as crianças cataram. Aí eles chamaram as lideranças e falaram pra ele [cacique] ir à Delegacia fazer um boletim de ocorrência, mas que depois iriam trazer de volta. E por isso a comunidade deixou levarem ele”, disse o irmão.


Espigas recolhidas pelas crianças / Laucidio Medina

O caso foi considerado como crime de furto e o delegado responsável pediu pela prisão de Crídio, que está incomunicável com a aldeia.

“Já fomos muito perseguidos aqui na aldeia. Então a gente precisa de ajuda. Não deveria ter acontecido assim. Tinha que entrar com respeito”, aponta Laucidio, que também denuncia a ação policial. “Os brancos vinham aqui. Entravam, bebiam e começavam a atirar. A gente sempre ligou para a polícia, mas eles nunca apareceram para nos ajudar. E agora, por coisa pequena, levaram meu irmão preso. Isso dói muito”, diz.

Pandemia

A prisão acontece em um período de pandemia, em que os indígenas estão isolados e com acesso à cidade limitado. Eles também estão impedidos de vender o artesanato, já que são considerados grupo de risco e a ida à cidade pode acarretar em contágio pelo coronavírus.

Os milhos recolhidos seriam usados para alimentação e, segundo Laucidio, eram o excedente da colheita, não alcançada pela colheitadeira.

Em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Sul considera a prisão um ato racista e preconceituoso e pede a imediata liberdade de Crídio.

“Os Guarani, que tiveram praticamente todas as terras roubadas e ninguém foi punido, agora são considerados criminosos por buscar sobras de alimentos. É um ato no mínimo covarde, num país em que autoridades são acusadas de rachadinhas e estão em liberdade, mas para os Guarani buscar milho para se alimentar é crime. Pedimos ao MPF e ao MPE que intervenham nesse caso e verifiquem o crime de discriminação e racismo, bem como abuso de autoridade.  O Cimi Sul exige a imediata liberdade do cacique Crídio Medina e a investigação sobre o crime de racismo e discriminação contra este cacique”, aponta trecho da nota.

Versão da Polícia

Através da assessoria de imprensa, a Polícia Civil informou que foi até a aldeia, onde "haviam várias pessoas que integram a aldeia com sacas de milho. O cacique foi autuado em flagrante por furto". Às 14h, segundo o delegado de Terra Roxa, o cacique foi solto, em audiência de custódia.

A reportagem não localizou o dono das terras.

Preconceito

Essa não é a primeira vez que que os Guarani são acusados de crime. Em 2018, cinco Guaranis da Tekoha Mokoi Joegua, no município de Santa Helena, foram presos pelo corte de bambu, que seria ser utilizado num ritual religioso.

Atualização: Às 16:16, a reportagem teve a confirmação de que o cacique Crídio Medina foi solto e voltou à aldeia Ywyraty Porã.

Edição: Lia Bianchini