Ainda é comum que, em alguns espaços, as mulheres não sejam recebidas, ouvidas e respeitadas
A interrupção da gravidez, decorrente de estupro, na criança de 10 anos, no Recife, em Pernambuco, no dia 15 de agosto, evidenciou os obstáculos enfrentados pelas mulheres para exercerem seu direito ao aborto legal no Brasil.
Segundo Adriana Mota, socióloga, ex-presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro e integrante da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), o aborto legal é uma prática conhecida e concretizada no Sistema Único de Saúde (SUS), que tem toda qualificação técnica e de equipamentos para realizar esse tipo de procedimento.
Mesmo em casos de interrupção da gravidez decorrente de estupro contra mulheres adultas, Mota ressalta que os profissionais da saúde não precisam solicitar um boletim de ocorrência, um laudo de um exame de corpo de delito ou autorização judicial para realizarem o procedimento.
“Nada disso é necessário, a palavra da mulher deve ser suficiente para garantir que tenha o direito ao aborto. No entanto, a gente vive em uma sociedade na qual as mulheres são perseguidas, discriminadas, desqualificadas em suas falas, mesmo quando elas sofrem violências. Ainda é comum que, em alguns espaços, as mulheres não sejam recebidas, ouvidas e respeitadas em seu direito de forma plena”, lamenta a socióloga.
Legislação e normas técnicas
Segundo Mota, o desafio se impõe pela negação e falta de conhecimento dos direitos das mulheres e das normas técnicas que padronizam o aborto legal no Brasil. Atualmente, são três os casos em que o aborto é regulamentado pelas leis brasileiras: anencefalia do feto, estupro e risco para a gestante de perder a vida.
“Ainda hoje a gente vai encontrar profissionais que desconhecem a legislação, as normas técnicas que desde a década de 1990 orientam os profissionais a como proceder nesses casos e, portanto, a gente vê orientações equivocadas para as mulheres que buscam atendimento”, afirma.
::O calvário das mulheres que decidem pelo aborto legal no Brasil::
Mesmo com autorização judicial para realizar a interrupção da gravidez da criança de 10 anos, que também corria risco de perder a vida, a direção do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam), em Vitória, no Espírito Santo, se recusou a fazê-lo.
A superintendente da instituição, Rita Checon, alegou motivos estritamente técnicos, em um pronunciamento à imprensa. A criança precisou ser transferida para Pernambuco para interromper a gestação.
Para Mota,“quando a vida da gestante está em risco, a gente tem que optar por manter a vida da gestante, que é a pessoa que já nasceu, está desenvolvida, tem uma história de vida. Por isso a criança também deve estar no nosso radar de prioridade e a gravidez precisa ser interrompida”, afirma.
Diante do cenário, a socióloga aponta para a necessidade de melhorar a formação dos profissionais em relação às normas técnicas e legislativas, bem como o acesso aos conhecimentos de aborto humanizado e atendimento às mulheres vítimas de violência sexual.
Edição: Leandro Melito