O Conjunto de Favelas da Maré, localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, habitado por aproximadamente 140 mil habitantes, saiu na última quarta-feira (26) em diversos veículos da mídia, mas infelizmente não foi noticiando as ações de solidariedade neste momento de pandemia. Uma delas é o trabalho da Frente de Mobilização da Maré que atende hoje mais de 3 mil famílias por mês com doações de alimentos, além de toda a favela com produção de comunicação sobre a covid-19.
Também não foi falado na mídia sobre o histórico e importante espaço de memória comunitária e favelada, assim como é o Museu da Maré, o primeiro museu construído dentro de uma favela no mundo.
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Durante toda a última quarta (26), os telejornais e sites questionavam o porquê de a polícia não entrar na Maré, pois segundo seus dados, havia um caminhão roubado dentro da favela. Falaram isso sem qualquer prova.
Um dos títulos das notícias sobre o tema era: “Se a polícia não vai, quem vai?”, em referência a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que favorece os moradores de favelas em relação às restrições das operações policiais. A medida que já demonstrou queda de 76% no número de mortos e feridos durante os dois últimos meses.
No portal de notícias G1, uma reportagem teve como chamada: “A Maré é bunker de bandidos”, pois segundo os jornalistas que “apuraram”, a Maré "concentra mais de 240 foragidos da Justiça”.
As mídias comerciais, historicamente, neste país intitulam sem pudor os moradores de favelas, os seus territórios, os seus costumes, a sua cultura, as suas músicas, as suas falas, a cor de suas peles sempre com o intuito de criminalizar, marginalizar, violentar e inferiorizar todos os que moram nestes locais empobrecidos e habitados por uma maioria de população negra.
Não é, por acaso, que fazem isso, que insistem nisso, que dedicam horas, dias, anos nos intitulando e nos significando da pior forma.
Isso de chama racismo. Isso se chama disputa ideológica, disputa de narrativa, disputa por cidade, por significações, por lugar na cidade e na sociedade. Afinal, estamos falando de grandes corporações de comunicação, de poucas famílias ricas que são donas delas. Estamos falando de um país que se diz democrático, mas que nunca teve a coragem de enfrentar o debate sobre a democratização da comunicação.
Mas que tem coragem de tentar nos significar, identificar, criminalizar, além de censurar quem tenta falar, ser, dizer o que realmente é e denunciar tais ações criminosas das mídias e de todas as outras violências que nós populações negras, pobres, faveladas sofremos diariamente nos nossos locais de moradia.
Não há democracia, pois ainda não conseguimos experimentar o lugar de ser neste país, o direito de experimentar a liberdade de expressão sem ser ameaçado ou censurado.
É preciso democratizar a mídia. É preciso que tenhamos o direito de sermos aquilo que não nos dizem, definem ou afirmam que somos. Nós somos favela. E a Maré não é bunker de bandido! Nós somos bunker de solidariedade, lazer, cultura, trabalho, estudos, vida comunitária e comunicação comunitária.
*Gizele Martins é Moradora da Maré, jornalista, mestre em Comunicação, Educação e Cultura em Periferias Urbanas (FEBF-UERJ) e integrante do Movimento de Favelas do Rio de Janeiro.
Edição: Mariana Pitasse