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O aborto pode ser legal e seguro?

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Reprodução - Foto: @val.k.lopes
Os casos 1 e 2 estão presentes no Código Penal desde sua criação, em 1940

Na estréia da Coluna, vamos abordar os direitos de fato sobre o aborto.

O aborto pode ser legal e seguro?

O caso que sensibilizou o Brasil em debates acalorados esta última semana expôs como é grande a falta de informação sobre o tema do aborto legal no país. Para além das diversas formas de violência que atingem as mulheres em nossa sociedade, a desinformação sobre seus direitos pode colocá-las em situações de risco, considerando que o aborto inseguro e as complicações no parto são as principais causas de morte materna no país. Para que a desinformação não gere mais vítimas, precisamos combatê-la. Com esta preocupação e compromisso, alguns pontos básicos são trazidos a seguir:

O que é o aborto?

O aborto é uma forma de interrupção da gravidez que pode ocorrer de forma espontânea ou induzida, através de um procedimento clínico. Apesar de ser uma questão de saúde pública, a prática do aborto induzido é proibida e considerada crime pelo código penal brasileiro. No entanto, em certos casos, a lei possibilita que a mulher ou menina interrompa a gravidez e que o procedimento de aborto seja realizado legalmente e de forma segura pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Quais os casos já permitidos?

As mulheres têm direito a fazer o aborto em três tipos de gravidez: 1) quando há risco de vida para a gestante (chamado aborto necessário ou aborto terapêutico); 2) quando a gravidez é resultante de estupro (violência sexual); 3) em casos de feto anencéfalo (quando há ausência ou má formação do sistema cerebral do feto). Os casos 1 e 2 estão presentes no Código Penal desde sua criação, em 1940; já o caso 3 (anencefalia), foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 54, em 2012.
É importante destacar que, para que o procedimento seja realizado, é preciso a autorização da gestante. O aborto só pode acontecer sem a manifestação de vontade da mulher quando haja risco a sua vida.

Sou uma mulher ou menina, me identifiquei com um ou mais dos exemplos, como posso ter acesso?

Se a gravidez gera risco à vida da gestante ou sendo caso de feto anencéfalo, é preciso, antes de tudo, procurar atendimento médico especializado. Para que o aborto seja realizado é necessária a existência de laudo assinado por dois médicos, que comprove a ocorrência de anencefalia (o que é feito pelo exame de ultrassonografia) ou que comprove o risco de vida que a mulher ou menina corre caso a gravidez siga adiante. Não precisa buscar uma autorização judicial para realizar o aborto, somente é necessário o laudo médico produzido pela unidade de saúde! Nesses casos, o procedimento pode ser realizado a qualquer tempo da gestação, porém é melhor que ocorra o quanto antes para evitar complicações médicas e preservar a saúde da mulher.
Por outro lado, caso a mulher ou menina sofra uma violência sexual (estupro), o primeiro encaminhamento a ser feito é buscar atendimento médico em um posto de saúde ou hospital. Nessa ocasião, a vítima da violência deve receber os remédios de contracepção de emergência, conhecida popularmente como “pílula do dia seguinte”, como também receber os cuidados necessários para evitar contrair doenças sexualmente transmissíveis. No entanto, se mesmo assim o estupro resultar em uma gravidez indesejada, a gestante deve procurar uma unidade de saúde que realize o procedimento de aborto. 
Por ser uma questão de saúde pública, todas as questões relacionadas ao procedimento clínico devem ser resolvidas na unidade de saúde. Já as questões relacionadas ao crime de estupro fazem parte de investigação policial e podem ocorrer independentemente e paralelamente ao aborto. Isso significa que, para conseguir realizar o aborto, não é preciso que a mulher ou menina que sofreu o estupro preste um boletim de ocorrência (B.O.) na delegacia de polícia. Também não é necessário nenhum laudo do Instituto Médico Legal (IML), nem a existência de uma autorização judicial. Porém, em casos de gravidez decorrente de estupro, o procedimento do aborto só pode ser realizado legalmente até a 20ª semana de gestação ou até a 22ª semana, desde que o feto pese no máximo 500 gramas.  
Atenção: todos os documentos necessários para a realização do procedimento de aborto são produzidos pela unidade de saúde em que a gestante foi atendida. São exemplos de alguns documentos: um relato da violência sexual sofrida pela mulher ou menina (termo de relato circunstanciado do crime de estupro); uma declaração da mulher de que está ciente e de que autoriza a realização do aborto (caso a gestante seja menor de idade, esses documentos deverão ser assinados pela pessoa responsável ou representante legal); além do relatório médico propriamente dito (parecer técnico) e uma ata de aprovação do procedimento de interrupção da gravidez. 

Procurei o SUS, não consegui, e agora?

Pode acontecer por alguns motivos: a unidade não possuir estrutura; o médico se recusar por se julgar inapto ou por valores morais; ou a instituição colocar diversas burocracias para dificultar o acesso (um exemplo clássico é a exigência desnecessária de Boletim de Ocorrência).
Vejamos. Caso o local de residência da mulher ou menina não preste esse atendimento especializado, ela deverá ser encaminhada para outro município onde haja uma unidade de saúde que faça o aborto. Na cidade de João Pessoa, o Instituto Cândida Vargas é o local de referência para realizar o procedimento; já na cidade de Campina Grande é o Instituto de Saúde Elpídio de Almeida. Por outro lado, caso algum médico se recuse a realizar o aborto por motivos de ordem religiosa, moral ou crença pessoal, a unidade de saúde deve oferecer outro profissional que realize o procedimento ou encaminhar a gestante para outro hospital que o faça. 
Registre-se que, em todos os casos, a lei garante à mulher o direito a receber um atendimento humanizado, com o devido acompanhamento psicológico e de assistência social. O procedimento é custeado pela rede pública de saúde e a gestante tem direito a um acompanhante durante todo o processo. 
Havendo desrespeito a qualquer um dos direitos mencionados acima ou recusa na prestação de atendimento, a gestante ou pessoa responsável deve procurar um advogado particular ou buscar a Defensoria Pública do seu Estado. 


*Coletivo ReaJuste assina a coluna Direito de Fato
 

Edição: Cida Alves