Milhões de mães, pais, avós e outros tutores no Rio de Janeiro querem saber: as escolas voltam à atividade ou não? É seguro para as crianças e adolescentes? O estado já registrou o 211.360 casos e 15.392 óbitos até esta terça-feira (25). Já a capital concentra 87.164 casos e 9.316 óbitos, segundo o Painel Coronavírus do governo do estadual.
O prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) anunciou a intenção de autorizar o retorno das escolas municipais, mas está impedido por uma liminar da Justiça. Já o governo do estado assinou decreto que autoriza a reabertura das instituições de ensino estaduais a partir de 5 de outubro.
A decisão sobre reabertura é fundamental para os moradores do Complexo da Maré, com suas 17 favelas e 140 mil moradores, na zona Norte da cidade, muitos deles crianças e adolescentes.
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O ano letivo parece praticamente perdido com o ensino remoto inacessível e ineficiente, além do tédio, a impaciência e a ansiedade dos alunos. No entanto, parte da população não julga ser seguro voltar às aulas presenciais.
Essa é a posição da estudante Raíssa Araújo da Silva, de 16 anos. Ela mora na Vila do Pinheiro, na Maré, e estuda no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ), no Maracanã. Ela conta que quando as aulas presenciais pararam, algumas atividades continuaram online, mas nem todos os professores fizeram conteúdo próprio e nem cobraram entrega de trabalho.
No caso da escola de Raíssa, o plano para a volta às aulas é fazer um esquema de rodízio entre alunos, de modo que cada um só iria em alguns dias da semana. Mas essa solução ignora outras questões na opinião da estudante.
“As pessoas ainda enfrentariam superlotação nos trens e metrôs, então, não adiantaria ter um rodízio na escola. Antes de chegar na escola elas teriam que passar por aglomerações”, afirma. Ela complementa que para a maioria dos colegas as aulas não devem voltar. “Ainda não temos vacina, não temos certeza de quem contraiu a doença e quem não, se as pessoas realmente criam anticorpos. É tudo muito incerto”, destaca.
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Além dessas questões, a preocupação de Angela Santos, professora de matemática da rede estadual, no Colégio Bahia, localizado na Maré, é com o suporte psicológico dos alunos. Segundo ela, uma série de problemas acometeu os estudantes de uma maneira que a escola não tem condições de lidar, muito menos remotamente. Desemprego, dificuldade de subsistência das famílias, sobrecarga de trabalho, depressão, ansiedade e muitos outros estão na lista de preocupações.
As professoras e professores, que tiveram que transformar o computador (ou celular) no quadro e no livro, adaptar suas casas em salas de aulas e lidar também com as questões de seus alunos, não ficam de fora do problema. “Infelizmente, a escola não possui uma equipe psicossocial que possa dar suporte e acompanhar esses alunos ao longo desse processo de pandemia”, afirmou.
Apesar de a maioria dos problemas serem consequência da quarentena e da crise econômica que acometeu as famílias, não é voltando ao “normal” que tudo vai se resolver, na opinião de Angela.
No Colégio Bahia, onde Angela leciona, as salas são normalmente lotadas, os banheiros e refeitórios são pequenos, não há boa circulação do ar. Para ela, não é possível manter isolamento social, assim como não é possível proteger todos os frequentadores da escola e seus membros mais próximos.
“Não há como retomarmos as aulas sem colocarmos em risco as vidas da comunidade escolar e das nossas famílias. Como vou dar aula, estar em contato com várias pessoas e voltar para casa tranquila sem pensar na possibilidade de infectar minha avó de 80 anos que está morando comigo?”, questiona.
Desafios
Para quem tem crianças em casa, a quarentena não tem sido nada fácil. Na casa da costureira Juliana Lima, moradora da Baixa do Sapateiro, são sete pessoas: ela, o marido, a filha mais velha, de 22 anos, três outros filhos, de 6 anos, 8 anos e 10 anos, e o neto, de 5 anos.
Antes da quarentena, ela conta que a rotina “era uma correria” para levar e buscar das escolas e creches. Mas, com a quarentena, ficou chato, apertado, monótono, segundo Juliana.
“Imagina quatro crianças trancadas dentro de casa. Quando você tem uma casa com quintal, como as pessoas que têm um poder aquisitivo melhor e têm sítio, vão para o sítio se isolar, as crianças têm espaço. Aqui em casa não tem espaço para eles, só na laje. Aí você imagina a energia deles e trancados dentro de casa”, afirma.
A maior preocupação de Juliana para mandar as crianças de volta à creche e escola é com os menores: a filha, de 6 anos, e o neto, de 5 anos. “Como as crianças menores vão ficar de máscara dentro da creche? Eles não vão ficar, não têm esse entendimento do que está acontecendo no mundo lá fora”, afirmou.
Essa é a preocupação também de Renata Estevão, que mora com os filhos de 3 anos e 14 anos na Nova Holanda, também na Maré. Na quarentena, ela ficou sozinha com as crianças. Desempregada, conseguiu se manter pelo Bolsa Família, pagamento de pensão dos pais e pelas cestas básicas que recebeu, embora nenhuma tenha sido mandada pela prefeitura.
A filha, que está no nono ano, não teve aulas com professores online, apenas recebeu apostilas que foram distribuídas na Associação de Moradores e acessa atividades pelo celular. Ela também se preocupa com o retorno da escola.
“A mais velha já entende e tem medo. Ela pergunta ‘mãe, vai voltar? O coronavírus foi embora? Já acabou a pandemia? Vai voltar tudo ao normal?’. E como ela tem acesso à internet sabe que o vírus não foi embora, que a gente ainda está na pandemia, que a quarentena ainda existe. Embora tenha havido flexibilização, o vírus está circulando”, acrescenta.
Mesmo vendo a filha preocupada, Renata não confia que todos os cuidados seriam tomados. “Meu filho tem 3 anos, você imagina ele numa creche com um monte de criança, aí tem álcool em gel e máscara, mas daqui a pouco ele puxa a máscara, usa a do coleguinha. A minha filha é uma adolescente, tem 14 anos, mas você acha que realmente vão seguir à risca o distanciamento, o álcool em gel na mão, a máscara o tempo inteiro? E vai existir aglomeração, não adianta. Enquanto não existir uma vacina, eu sou contra”.
Fonte: Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).
Edição: Mariana Pitasse