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Trotsky, oitenta anos amanhã

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Defendia a teoria da revolução permanente, que via na vitória da revolução contra o Czarismo uma anestesia para uma segunda revolução, em processo ininterrupto, em permanência, contra o capital. - Leon Trotsky (Reprodução)
Era russo e judeu, mas era, sobretudo, um internacionalista.

Considerada à parte, a Revolução de Fevereiro era uma revolução burguesa. Mas como revolução burguesa, era demasiadamente tardia, não encerrando em si nenhum elemento de estabilidade. Dilacerada por contradições que imediatamente se manifesta­ram pela dualidade de poder, deveria transformar-se em introdução direta à Revolução proletária — o que veio a acontecer — ou então, sob um regime de oligarquia burguesa, lançar a Rússia num estado semi-colonial. Por conseguinte, o período consecutivo à Revolução de Fevereiro poderia ser considerado quer como um período de consolidação, de desenvolvimento ou de conclusão da Revolução democrática, quer como um período de preparação da Revolução proletária.

(Leon Trotsky)

 

No dia 21 de agosto de 1940, Leon Trotsky foi assassinado por Ramon Mercader, um oficial da espionagem soviética, catalão de nascimento, por ordem de Josef Stalin. Depois de iniciada a Segunda Guerra Mundial, Trotsky era consciente que estava marcado para morrer. Mercader tinha se infiltrado no círculo íntimo de Trotsky e teve acesso à casa, no bairro de Coyoacán, na Cidade do Mexico, onde estava exilado.

O crime foi, especialmente, brutal: Mercader usou um quebrador de gelo, uma mini-picareta para golpear a cabeça de Trotsky. Tinha 60 anos ao morrer. Um dos melhores romances do século XXI, "O homem que amava os cachorros", do cubano Leonardo Padura, se inspirou nessa tragédia política para nos emocionar com tudo que há de mais elevado, mas também, mais sinistro na condição humana.

Trotsky tinha nascido na cidade de Ianovka, no sul da Ucrânia, no dia 7 de novembro de 1879, o mesmo dia em que triunfou a revolução de Outubro, no calendário juliano, que ainda vigorava na Rússia. Mas Trotsky era um cidadão do mundo. Uniu muito jovem sua vida à causa do socialismo. Foi estudar em Odessa, foi preso e desterrado para a Sibéria duas vezes, morou em Londres, Viena, Paris, Berlim, além de São Petersburgo e Moscou, além de exílios em Istambul, Oslo, e no México. Lia e falava ucraniano, russo, francês, alemão e inglês. Era russo e judeu, mas era, sobretudo, um internacionalista.

A teoria da revolução permanente foi uma das suas principais obras. Tinha como argumento forte a perspectiva de que, mesmo em países retardatários, como a Rússia, que chegaram atrasados às transformações capitalistas, portanto, em que as tarefas históricas da revolução burguesa não tinham sido realizadas, estaria reservado ao proletariado a necessidade de ser o sujeito social na liderança da revolução democrática em aliança com todos os oprimidos, em especial, a maioria camponesa e as massas das nacionalidades, sob o jugo da tirania de Moscou. Defendia que a vitória na revolução contra o Czarismo deveria ser a anestesia de uma segunda revolução em processo ininterrupto, em permanência, contra o capital.

A dialética entre a força de pressão de tarefas históricas inconclusas, a resistência reacionária da burguesia e a disposição de luta dos sujeitos sociais resume a teoria da revolução permanente, seja qual for a sua versão, desde Marx até hoje. O substitucionismo social, o núcleo “duro” da teoria, se apóia na compreensão de que, considerado o estágio de desenvolvimento à escala internacional, a impossibilidade de adiamento da satisfação das necessidades sociais exerce um grau tão elevado de pressão que as tarefas que, historicamente, corresponderiam a uma classe, mas que, pelas mais diferentes razões faltou ao seu encontro com a História, passariam a ser cumpridas por outra. Era, talvez, nesse sentido que Marx pensava o famoso “à História não se coloca problemas que não possa resolver”.

A revolução russa se destaca por três elementos decisivos que a distinguem de todas as outras revoluções socialistas do século XX: (a) o sujeito social dirigente e polarizador do descontentamento popular foi, indiscutivelmente, o proletariado urbano, que acaudilhou as outras classes, em particular, a imensa massa camponesa e a população das nacionalidades oprimidas, que constituíam a maioria da população; (b) a auto-organização popular, nas fábricas, nos bairros populares, nas forças armadas, e nas aldeias camponesas, na forma dos conselhos ou soviets, permitiu a mais avançada experiência de democracia direta conhecida até então (primeiro, como duplo poder “institucionalmente” organizado e, nos primeiros anos depois de Outubro, como orgãos de soberania popular sobre o Estado); (c) existiu uma direção internacionalista que acreditava que o projeto da revolução russa dependia do triunfo da revolução européia em geral, e da revolução alemã em particular.

Toda formação econômico-social em países periféricos convive com contradições internas dilacerantes, expressão do desenvolvimento desigual e combinado: a estrutura social mesmo se atrasa em relação ao desenvolvimento das forças produtivas. Grandes massas camponesas no campo, às vezes, numericamente muito expressivas, subsistem muito tempo depois da penetração da grande indústria, assim como se perpetuam resíduos de classes médias de artesãos e comerciantes nas cidades, embora as suas atividades estejam, economicamente, ameaçadas pelo progresso técnico e pela concentração do capital. Disto resulta que relações sociais arcaicas e obsoletas são uma obstrução à penetração de relações modernas e avançadas, mas como o desenvolvimento é desigual, surgem amálgamas desproporcionais: o vigor das novas relações serve como um impulso adiante.

O modelo teórico de Trotsky enterrava o esquematismo predominante no marxismo da Segunda Internacional, que nivelava as tarefas históricas e forças sociais em uma correspondência fixa: à tarefas democráticas deveria obedecer sempre um sujeito social burguês, portanto, a liderança social da revolução democrática teria que ser, necessariamente, a burguesia.

À luz da experiência histórica, quais foram os acertos das teses sobre a revolução permanente, formuladas por Trotsky? O maior acerto foi a compreensão de que, na época do imperialismo, todas as revoluções seriam, potencialmente, anticapitalistas. Mesmo quando começam como revoluções democráticas. Isto é, todas as revoluções políticas democráticas têm uma possível dinâmica anticapitalista. Em outras palavras, apesar do estágio maior ou menor de desenvolvimento capitalista da nação e, independentemente da maior ou menor maturidade do proletariado como sujeito social, as tarefas democráticas pendentes colocaram a necessidade de ruptura com o imperialismo.

No século XX, a engrenagem da revolução permanente resumiu as leis fundamentais do processo revolucionário contemporâneo: confirmou-se de tal maneira e em uma tal escala, que fazem os prognósticos, tanto de Marx quanto de Trotsky, parecerem muito tímidos. O substitucionismo social ultrapassou tudo que as mentes mais audaciosas pudessem prever, e quem sabe, o que ainda nos está reservado no futuro.

Edição: Rodrigo Durão Coelho