Para nós isso é inviável porque danifica o meio ambiente e ameaça a saúde das nossas famílias
Desmatamento da natureza, queimadas, cominação da terra, rios, ultimamente são os termos que mais remetem à produção de soja no Brasil. Símbolo do agronegócio brasileiro, o cultivo do grão está ligado ao uso de agrotóxicos e transgênicos que, por sua vez, resultam na degradação do solo, além de causar uma série de impactos socioambientais.
Não à toa, no ano passado, o Brasil se tornou o maior país do mundo em plantio de soja geneticamente modificada. Foram 34,9 milhões de hectares plantados, segundo dados da Céleres, que presta consultoria ao agronegócio.
Ainda em 2020, o país também deve se tornar o maior produtor global de soja (incluindo o produto convencional), de acordo com estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
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Mas, segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mais de 10 mil propriedades cultivaram soja na Amazônia e no Cerrado utilizaram terras desmatadas, após 2008, desrespeitando as normas ambientais
Apoiado na bandeira de um país voltado à produção e exportação de matérias-primas e na falta de fiscalização ambiental do governo federal, o agronegócio vem pressionando para adesão deste modelo predatório em diversas regiões brasileiras.
No Mato Grosso do Sul, por exemplo, grandes multinacionais já oferecem aos agricultores locais um pacote com sementes transgênicas, adubos químicos e agrotóxicos para a produção do grão. É o que conta Alexandre Pereira Valença, integrante da direção do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) no estado.
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“Quando a Monsanto chega com pacote fechado de veneno, semente, adubação “facilita” a vida doa assentado para plantar a soja transgênica. Porque entrega para família, tem uma promissória e paga em março do ano que vem. O que facilita as famílias a trabalhar nisso sem custo, mas para nós isso é inviável porque danifica o meio ambiente e a ameaça a saúde das famílias”, relata sobre a apelação das corporações.
Para evitar a entrada do agronegócio, dos transgênicos e de venenos que prejudicam as famílias, o meio ambiente, surgiu a ideia do cultivo de soja orgânica nos assentamentos.
“Diante dessa situação nós vamos produzir soja orgânica e mostrar para a sociedade que a soja orgânica é viável dentro dos assentamentos. Por que soja orgânica? A gente consegue conservar a terra, produzir sem veneno, produzir alimento saudável, preservar nossas reservas e, principalmente, a saúde das famílias dos assentamentos e gerar mão de obra dentro dos assentamos, agregar valor com a soja orgânica”, explica Valença.
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Atualmente há cerca de 8 mil famílias assentadas pelo Movimento, mas a ideia do primeiro projeto no estado é envolver 20 famílias do assentamento Eldorado, localizado no município de Sidrolândia (MS) para a produção de soja orgânica em 100 hectares de terra voltadas para a agricultura familiar.
Quando a safra estiver pronta, o grão irá para a comunidade e para a venda no comércio de alimentos orgânicos, como na produção de ovos orgânicos em que a soja serve de ração saudável para as galinhas criadas sem veneno. Tudo a partir da Cooperativa de Habitação dos Agricultores Familiares (Cooperhaf - MS), onde o trabalho e o rendimento são coletivos.
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O dirigente do MST acrescenta ainda os ganhos da produção. “Para o movimento é o ganho político e a comida saudável para as famílias. Pela avaliação da produção dos nossos agrônomos aqui, vai dar em todo de 30 sacas por hectar, então nós conseguimos agregar valor para as famílias também. Hoje a soja convencional está em torno de R$ 100, a soja orgânica para gente tem mais 30% em cima”, analisa.
Por lá os assentados já começaram com o preparo da terra e no próximo mês vão partir para a plantação de sementes. Na cidade Pontaporã, a 170 quilômetros de Sidrolância, o agricultor Djones Marcos Ambrust, conhecido como Tigrinho, morador do Assentamento Itamarati 2, também vai aproveitar a “oportunidade”, como afirmou ele.
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“A gente topou o desafio porque a gente tem interesse, tem o mercado que é mais complicado hoje, tem quem compra, o valor é um preço que tem um bônus a mais, dá uma rentabilidade maior e o mais significante de tudo isso é que vai ser um alimento saudável, não vai ter agrotóxicos. Indiferente se vai para a produção de alimento humano ou animal, que seja, mas vai ser um produto livre de agrotóxico”, conta ele.
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Tigrinho está na terra arrendada para a Reforma Agrária desde o início do assentamento em 2005 e acredita que o projeto pode mostrar para a sociedade e para os companheiros que é possível uma produção orgânica e rentável da soja.
“Acho que com o tempo vai aumentar, a gente tem que provar para os companheiros que dá certo. Talvez uns estão com os transgênicos, porque não tinha essa opção, mas agora o pessoal vai visitar e ter um outro olhar para poder se desafiar também e produzir também”, declara o agricultor, que separou 13 hectares para produção.
Afinal, como relembrou Valença, “terra para trabalhar nela”.
Edição: Douglas Matos