Como ficariam Libéria, Guiné e Serra Leoa após passarem por uma epidemia de um vírus com 90% de letalidade?
Quem se lembra do ebola? Talvez algumas poucas lembranças nos sobrem na memória. Aquelas lembranças de um povo pobre, submetido a mais um dos desmandos do mundo. A epidemia do ebola teve início em 2014, principalmente na África Ocidental e foi responsável pela contaminação de mais de 28 mil pessoas e 11 mil mortes. O contágio, não se dá por vias aéreas, as pessoas infectam-se a partir do contato com secreções como urina, fezes, sangue ou saliva.
Fechem as fronteiras! Os países citados no início do texto têm um crescente de desemprego, violência, contágios e mortes. Mas talvez isso não fosse tão relevante para os donos do mundo. Mandaram meia dúzia de cestas básicas, com o título: ajuda humanitária.
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Como estudar nesse cenário? Aliás, como viver?
África vive o drama de seu passado de exploração brutal da vida, dos minérios e até das almas. A passagem do ebola por África, para além de uma série de outras problemáticas, deixou seus jovens sem escola.
Os anos entre 2014 e 2016, com altas taxas de contaminação, foram catastróficos para a educação. Mais de cinco milhões de crianças e jovens ficaram sem suas escolas. Cresceram as agressões físicas e os abusos sexuais, principalmente entre as meninas e mulheres. São elas que mais ficaram de fora do retorno às aulas.
Serra Leoa, em plena pandemia, no ano de 2015, chega a implementar uma lei que não permitia meninas grávidas nas escolas. Essa lei só foi retirada no ano de 2020.
Como pensar o direito à educação, durante a pandemia da covid-19, sem tratarmos do direito ao isolamento social, à proteção do trabalho e à saúde? Como estudar em meio a situações desumanas, sem acesso aos direitos humanos básicos para viver?
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África e América Latina se olham através da distância de um oceano que as separa. Aqui temos seus filhos e filhas. Lá vivem da exploração europeia. Aqui, o imperialismo estadunidense não nos deixa em paz. Nossas trajetórias históricas são diferentes, mas nos unimos pela busca da soberania das nações e a construção de um mundo mais igualitário e em paz.
Para educadores e educadoras comprometidas com o futuro de nosso povo é necessário refletir sobre os efeitos do coronavírus em nosso país. Com as escolas fechadas e a ânsia desenfreada de nossos governantes pelo retorno às atividades escolares, nos colocaram garganta abaixo um sistema de aulas virtuais.
Quem está acompanhando as aulas? Secretarias Estaduais de Educação afirmam que 20% de crianças e jovens, aproximadamente, não estão acompanhando as aulas online.
Pelo diálogo com professores e professoras das redes públicas de educação e nossa experiência nesse período de ensino remoto durante à pandemia, é possível identificar a inveracidade dessa afirmação, a taxa é muito maior. Mesmo se verdadeira fosse, estaríamos falando de um número aproximado de 9,5 milhões de crianças, jovens e adultos.
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O que a experiência do ebola na África tem a nos ensinar sobre as perspectivas e desafios da educação no Brasil?
A pesquisa “Juventudes e a pandemia do Coronavírus”, realizada pela Unesco com mais de 33 mil jovens no Brasil, revela que 70% desses jovens tiveram uma piora no estado emocional; 27% pararam de trabalhar; 28% pensaram em abandonar o ambiente escolar; e 91% acreditam que as relações humanas e a solidariedade serão mais valorizadas.
É preciso muito trabalho neste momento! É preciso solidariedade para que a educação continue sendo um direito, para que o estudo e o processo de escolarização seja uma perspectiva para as famílias de trabalhadores.
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O fechamento das escolas e a privação da educação em África, fruto da necessidade de diminuição do contágio do ebola, trouxe um cenário de evasão escolar (com pouquíssimos estudos que trazem a perspectiva em números reais) e crescente de violência doméstica. Talvez essas sejam contradições importantes de serem refletidas para nosso momento e como faremos a defesa da educação brasileira.
O controle sanitário da pandemia colocará desafios para a educação do povo brasileiro. Não podemos enxergar a retomada das aulas e dos estudantes às escolas sem o trabalho dos movimentos populares, sindicatos, trabalhadoras e trabalhadores da educação.
O retorno às aulas não pode deixar ninguém de fora e deve ser condicionado à preservação da saúde e da vida do povo. O ebola já nos ensinou: tudo passa, mas os reflexos para o povo pobre não vão embora com tanta rapidez. E hoje é de grande centralidade nossa luta em defesa da escola pública, do direito à educação e à vida.
* Leonardo Paes Niero é biólogo, doutorando em educação e coordenador da Rede de Cursinhos Populares Podemos+.
Edição: Rodrigo Chagas