A plateia está vazia. As cortinas fechadas. O espetáculo segue sem data para recomeçar. O setor cultural foi um dos mais atingidos pela pandemia do novo cornavírus. Os artistas precisaram se reinventar sobreviver: as plataformas digitais se tornaram palcos para atores, atrizes e músicos que encontraram no mundo virtual uma maneira de seguir com a arte.
Na última quarta-feira (19) foi comemorado o Dia do Artista de Teatro. A data surgiu a partir de um Decreto de Lei de 1978 que regulamentou as profissões de artistas e técnicos em espetáculos teatrais. Mais de quatro décadas depois, uma crise sanitária global impactou diretamente um dos principais setores de geração de emprego e renda do país. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2018 apontam que o setor cultural ocupava, entre formais e informais, mais de 5 milhões de pessoas no Brasil.
E agora? Quais as expectativas para a retomada aos palcos com segurança? E o papel do teatro de rua no “novo normal”? O Brasil de Fato conversou com o ator, palhaço e gestor cultural Richard Riguetti sobre os desafios impostos pela pandemia: novos palcos virtuais, a função da arte no mundo pandêmico e as políticas públicas implementadas para apoiar os trabalhadores da cultura durante este período.
Riguetti possui 41 anos de vida artística, sendo que 32 foram dedicados às apresentações em espaços públicos das cidades. O ator está em cartaz com o espetáculo “Paulo Freire – O Andarilho da Utopia”, em que Riguetti interpreta o educador popular. A turnê foi interrompida em março, porém, retorna agora no formato virtual para celebrar os 99 anos do patrono da educação brasileira que segue deixando um importante recado em meio a crises sanitária e política que afetam o país.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Dia 19 de agosto marcou o dia do artista de teatro. Em tempo de pandemia, como o teatro precisará se reinventar para com o seu público?
Richard Riguetti: Nesse momento de pandemia, os artistas de teatro devem trabalhar para que a sociedade compreenda o tempo histórico que estamos passando. A humanização das relações humanas, a busca pela vida, a valorização do ser humano, a natureza, de toda a riqueza, seja de que espécie for, deve ser tratada nas obras dos artistas de teatro.
No futuro, a humanidade dirá como foi que essa geração passou por essa fase tão adversa e desafiadora.
O artista de teatro deve trabalhar no isolamento social, mas através das plataformas digitais organizar sua subjetividade e poética e oferecê-la para o público num gesto de generosidade e reconhecimento do seu lugar de fala, se colocando na centralidade de grandes questões discutidas na sociedade.
Qual será o papel do teatro de rua nesta retomada de atividades? Será a saída neste primeiro momento deixar a rua como palco?
As companhias de teatro de rua, os artista públicos que colaboram entre si com a cidadania e democracia estão trabalhando, oferecendo as suas cenas, reflexões, os seus “ao vivo” e também cursos.
Os artistas públicos continuam produzindo e criando mais do que nunca porque a população precisa do nosso fazer.
Acho que neste momento cabe a nós, criarmos protocolos de retorno às atividades que possam oferecer a população o máximo de segurança e para isso estamos estabelecendo parcerias com instituições como a Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz], para que possamos construir, ainda no isolamento social, um protocolo para os artistas de rua voltarem para o trabalho quando for possível e liberado.
Você falou sobre uma proximidade com a Fiocruz para pensar uma retomada segura. Como tem sido isso aqui no Rio de Janeiro? Criou-se um grupo de trabalho?
Nós, artistas de rua da Rede Brasileira de Teatro de Rua e AGICIRCO que é um fórum de discussão dos circenses que trabalham na rua, procuramos a Fiocruz e fomos bem recebidos. A conversa ainda está se estabelecendo como termo de parceria para que a gente encontre um protocolo de como os artistas devem atuar nos espaços públicos abertos, há uma multiplicidade de ocupação de espaços, como as praças, ruas, becos e vielas, atuamos em espaços bem diferentes, sinais de trânsito e trens. Esse protocolo tem que ser amplo e tentar abarcar todos esses espaços diferentes. Estamos nesse processo de aproximação com a Fiocruz porque julgamos que as informações dadas oficialmente estão muito confusas ainda. A população está insegura.
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A pandemia obrigou os artistas a se reinventarem para as plataformas digitais, como você bem trouxe em sua fala, mas sabemos que apesar de estarem atuantes nas redes, ainda existe a questão da sobrevivência econômica. Como tem sido driblar essa questão para você que estava em turnê com um espetáculo sobre Paulo Freire?
Eu estava com espetáculo “Paulo Freire – O Andarilho da Utopia” tomado até o final do ano. No dia oito de março foi a minha última apresentação na UFBA [Universidade Federal da Bahia] e entrei no isolamento social em 10 de março. Comecei a criar cursos de gestão cultural, arte e ação, já estamos na sétima turma. Lançamos um curso novo, na ESLIPA [Escola Livre de Palhaços], que se chama “Palhaças, Palhaços e Brincantes no Brasil” e conseguimos uma turma de 30 alunos no Brasil inteiro e uma aluna na Europa.
Agora, estamos fazendo o “Paulo Freire - rodas de conversa” e no mês de setembro, para celebrar o aniversário de 99 anos de Paulo Freire, vamos fazer a temporada do espetáculo “Paulo Freire – O Andarilho da Utopia” pelas plataformas digitais, sempre aos sábados e domingos às 16h. Será uma experiência inédita para todos nós, mas estamos acreditando que o melhor que podemos oferecer para a sociedade neste momento é colocar a discussão sobre a educação, democracia e formação do sujeito nas plataformas para as pessoas terem acesso a quem foi este homem.
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O governo regulamentou nesta semana a Lei Aldir Blanc. Na sua avaliação, ela atende a demanda dos trabalhadores da cultura? Há alguma ressalva com relação à lei?
A Lei Aldir Blanc foi uma conquista da classe artística como um todo. Pela primeira vez no Brasil estamos numa condição de igualdade, cinegrafista, teatrólogo, músicos, palhaços, dançarinos, circenses, o Maracatu, Reizado, a Capoeira, todos estamos no isolamento social. Dentro desta multiplicidade foi pensada e debatida a Lei Aldir Blanc.
A grande questão é a próxima etapa.
A lei coloca para os estados e municípios que através dos seus conselhos, de alguma instituição voltada à arte e cultura seja a gestora desses recursos e, nesse aspecto, nos preocupa bastante porque não há uma compreensão exata sobre a qualidade da prestação de serviço dos artistas de rua para a sociedade. Estamos juntos da população, trabalhamos a saúde mental e afetiva das pessoas, nós desenvolvemos a nossa poética sem a cobrança de ingresso e precisamos garantir dentro da lei a legitimidade da nossa atuação no corpo a corpo com a sociedade.
Edição: Mariana Pitasse