O Ministério da Educação (MEC) poderá ter um corte de 18,2% no orçamento de 2021 em relação ao ano atual. A redução representa que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deve deixar de destinar aproximadamente R$ 4,2 bilhões a escolas públicas, universidades federais e institutos federais de todo o país.
Mas um dado que também vem chamando a atenção até de parlamentares mais liberais no Congresso Nacional é que a proposta do governo federal, que deve ser enviada pelo Palácio do Planalto até o próximo dia 31 para ser votada, destina mais recursos ao Ministério da Defesa que à Educação. A estimativa é de que o MEC tenha 5,6 bilhões a menos que a Defesa, que terá orçamento de R$ 111 bilhões.
Ao ser questionado por jornalistas na última terça-feira (18), na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM), disse que "não faz sentido nem do ponto de vista político" que o MEC receba menos recursos que a Defesa. Outro ponto é que os recursos destinados a realização do Censo podem ser remanejados para viabilizar o incremento de recursos da Defesa - cerca de R$ 2 bilhões, o que impossibilitaria a realização da pesquisa, também adiada em 2019.
Economia
Para o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), João Sicsú, o governo federal parte de um entendimento de que cortes públicos afetam apenas o setor público. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele afirma que esse diagnóstico errado é absorvido pelo empresariado, que não faz pressão para que investimentos públicos sejam mantidos, o que prejudica a economia do país.
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"As universidades públicas são multiplicadoras de empregos. Quando o governo corta verba da universidade, ela deixa de contratar a empresa de vigilância, a empresa de higiene e manutenção, entre outros serviços. E a empresa, que perdeu esses contratos, tem queda de demanda e demite seus funcionários. Sem salários, esses desempregados deixam de consumir e isso provoca o que chamamos de efeito multiplicador negativo", explica.
Em nota, o Conselho Universitário da UFRJ confirmou que precisará "cortar atividades de limpeza, de segurança e provavelmente seremos obrigados a manter áreas inteiras fechadas". Primeira instituição oficial de ensino superior do Brasil, com 227 anos, a UFRJ ressaltou que os cortes provocarão danos com a redução da assistência estudantil que se soma à alta taxa de desemprego no país.
"Isso tudo no contexto em que a universidade está toda mobilizada para combater o coronavírus, em diversas frentes, e justamente quando ela investe para não deixar ninguém para trás e assegurar a acolhida tecnológica, pedagógica e sanitária do seu corpo social e de toda comunidade que ela serve", diz a nota do Conselho Universitário.
Impacto nas universidades
Reitor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o professor Ricardo Luiz Louro Berbara disse ao Brasil de Fato que a instituição vai ter perda de aproximadamente R$ 13 milhões em 2021 e que os recursos vão permitir "no limite, pagar contas de luz, água e outros gastos básicos". A contratação de servidores, já que muitos se aposentam no ano que vem, não será possível. A medida de Bolsonaro também inviabiliza a pesquisa científica em diversos departamentos.
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"A Rural [UFRRJ] ficará impossibilitada por completo de dar continuidade a obras, precisará interromper o apoio a missões de estudo de trabalho, manutenção de espaços prediais e de nossas amplas áreas de produção animal e vegetal. Todas as ações de custeio e investimento estarão completamente paralisadas pela completa falta de recursos orçamentários. Temo muito pelo futuro da universidade pública, que provavelmente vai ter que encerrar boa parte de suas atividades acadêmicas por falta de orçamento", completou Berbara.
Para as universidades e institutos federais de todo o país, o corte representa menos R$ 1,4 bilhão. Um levantamento da Pró-Reitoria de Planejamento da Universidade Federal Fluminense (UFF) prevê um impacto de R$ 31,2 milhões no orçamento de custeio, que é destinado à manutenção da universidade, em gastos com luz, água, internet, empresas terceirizadas, entre outros.
"Surpreende negativamente que este corte tenha sido proposto durante o enfrentamento da pandemia de Covid-19, momento no qual as universidades federais e institutos de pesquisa tomaram a frente do combate por meio dos hospitais universitários, ações de extensão e responsabilidade social e projetos acadêmicos", disse a Reitoria da UFF, por meio de nota.
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A UFF também prevê perda de R$ 971 mil para obras de construção de prédios e compra de equipamentos e material permanente. Com o reajuste proposto, o recurso para assistência estudantil sofrerá um decréscimo de R$ 32,8 milhões para R$ 26,8 milhões em 2021. A instituição tem o Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), um hospital de medicina veterinária, farmácia, pré-vestibulares populares, atendimento dentário e psicológico e um Centro de Artes, que inclui museu, cinema e teatro, todos com atendimento e serviço gratuito para a população.
“A ignorância do governo Bolsonaro prefere mentes vazias a mentes produtivas. É a educação que faz do futuro um lugar de esperava e transformação. Bolsonaro é inimigo da Educação. Agora quer acabar de vez com nossas universidades. A educação brasileira pede socorro”, declarou o senador Rogério Carvalho (PT-SE) à Agência Senado.
João Sicsú, da UFRJ, também critica o que ele definiu como sendo as prioridades do governo federal, mas que trazem como consequência o prejuízo ao país. O auxílio emergencial de R$ 600 em função da pandemia da covid-19 que Bolsonaro resistiu a implementar, mas que o Congresso Nacional aprovou, é o exemplo mais recente de um efeito multiplicador positivo, termo para designar a circulação de dinheiro nas várias esferas da economia do país.
"A alocação de recursos públicos é feita de acordo com a prioridade de cada governo. Onde o governo coloca mais recursos, aí está a sua prioridade. Parece que Saúde e Educação não são a prioridade do atual governo. E quando ele realiza esses cortes, precisa pensar que isso vai se refletir quase que imediatamente e também na futuro, com perda de empregos, porque o Estado deixou de investir e incentivar empresários a também investirem", pontuou Sicsú.
Edição: Mariana Pitasse