Vice-líder da Minoria na Câmara dos Deputados, que reúne os partidos de oposição, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) fez duras críticas à reforma tributária que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta aprovar e que vem sendo criticada por diversos setores empresariais do país por propor o aumento de impostos aos consumidores.
Em entrevista ao Brasil de Fato, ela afirma que o governo Bolsonaro não tem comando único e que vai no sentido contrário a todas as outras nações que estão enfrentando a pandemia da covid-19 a partir de fortes investimentos públicos. “Falar em teto de gastos em plena pandemia, não sei se é uma proposta jocosa, mas no mínimo ela é agressiva e perversa com o povo brasileiro”, comenta a parlamentar.
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Jandira Feghali disse, ainda, que a debandada admitida pelo próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, em sua equipe, “coloca em risco a própria evolução do Estado brasileiro em direção à sociedade”. Segundo ela, os recém-saídos do governo, mas também o próprio ministro, levam informações estratégicas ao mercado para acelerar a venda das empresas estatais.
“Saem [do governo] com informação absolutamente privilegiada para, a partir do setor privado e no próprio Banco Pactual, o BTG Pactual, que é do Guedes, tentar comer as empresas estatais via programa de privatizações”, aponta a deputada federal.
Confira a entrevista completa
Brasil de Fato: Existe um conflito deflagrado dentro do governo Bolsonaro. Vimos nessa semana dois integrantes da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, pedirem demissão. O que está acontecendo ali?
Jandira Feghali: O governo Bolsonaro nunca teve comando único, é um absoluto jogo de pressão e contrapressão. A principal questão que se coloca agora é a realidade de uma pandemia que exige respostas, exige gastos com saúde, ciência, renda, política industrial e política de fundo garantidor para as micro e pequenas empresas com objetivo de garantir emprego.
É impossível manter uma política de ajuste fiscal, e o mundo inteiro já disse isso.
Há uma demanda real que empurra determinadas figuras do governo para essa compreensão e que faz um certo contraponto lá. E há uma decisão da equipe econômica e outras cabeças dentro do governo para manter a chamada política de austeridade, uma política ultraliberal que é comandada por Paulo Guedes. Ele é a própria banca que está representada dentro do governo.
No momento em que se começou a discutir ampla e seriamente o fim do teto de gastos, o governo Bolsonaro iniciou um debate sobre privatizações. Como você vê essa contradição?
Essa questão do teto de gastos não é defendida hoje por nenhum chefe de estado no mundo inteiro, mas lamentavelmente se mantém esse discurso no Brasil.
Todas as representações da sociedade brasileira que lidam com políticas públicas, seja no Parlamento, na academia ou nos movimentos sociais, sabem que o teto de gastos é a morte de qualquer política pública universal, é a morte da pesquisa, da universidade pública, do ensino público e da redução da nossa dependência e vulnerabilidade, porque a gente sabe que o mercado não dará respostas. O Estado é fundamental para desenvolvimento de qualquer política, para investimento e geração de emprego e renda no Brasil.
Quando coloca uma pasta como a de Planejamento, que poderia propor gastos públicos e pensar o país, a reboque do Ministério da Economia, o que Bolsonaro está sinalizando?
Nesse jogo de contradições, a equipe econômica desmontou, porque não são duas demissões, foram várias que vêm ocorrendo dentro do governo. E o pior: saem com informação absolutamente privilegiada para, a partir do setor privado e no próprio Banco Pactual, o BTG Pactual, que é do Guedes, tentar comer as empresas estatais via programa de privatizações.
É um jogo pesado e que coloca em risco a própria evolução do Estado brasileiro em direção à sociedade.
Essas demissões têm a ver com isso, tem a ver com a submissão do Ministério do Planejamento que nunca planejou em um governo que não tem projeto nacional, não tem projeto estratégico nenhum, apenas o projeto de desconstruir o que foi construído e submeter o Estado brasileiro a interesses do grande capital e do capital internacional.
Bolsonaro obteve aval das presidências da Câmara e do Senado para se manter firme no teto de gastos e assim não investir no país. Que interesses estão envolvidos aí que fazem com que grupos distintos se juntem para defender cortes?
A entrevista no [Palácio] Alvorada expressou uma reação da banca, que é encarnada por Paulo Guedes, e de representantes do Congresso Nacional, alimentando o discurso do teto de gastos e de uma reforma administrativa de diminuição do Estado. O Brasil é dos países do mundo que menor proporção de servidores tem em relação à população.
Falar em teto de gastos em plena pandemia, não sei se é uma proposta jocosa, mas no mínimo ela é agressiva e perversa com o povo brasileiro.
O desemprego avança no país, mas o governo fala em criar mais impostos por meio de uma reforma tributária duramente criticada até mesmo pelo empresariado. Que solução alternativa deveria ser apresentada à população?
O desemprego pode chegar ao fim do ano com a taxa quase dobrada. Por isso, a política alternativa do ponto de vista tributário não deve ser a geração de novos impostos, mas a de redistribuição dos tributos. Como fazer uma reforma tributária em recessão? Vai tributar o quê? O consumo? O salário? Vai tributar o povo, que menos tem?
Reforma tributária hoje só é possível para taxar rico e banco, tributar herança, patrimônio.
Não faz sentido reforma para fazer simplificação tributária e taxar consumo, isso não é reforma tributária. Nós precisamos redistribuir renda, isso significa tributar quem tem e tributar o sistema financeiro, senão não tem sentido nenhum votar reforma.
Eu estava na liderança da oposição da Minoria no ano passado e nós apresentamos proposta de emenda à constituição exatamente para reforma tributária solidária, sustentável e justa, apontando esse caminho de tributação progressiva, sustentabilidade ambiental e com distribuição para os estados e municípios. Concordamos com a simplificação tributária, mas temos que redistribuir a tributação, e não criar mais impostos.
A história mundial prova que o Estado é quem tem a capacidade de salvar uma nação nos momentos de crise aguda, criando empregos e gerando renda. É assim até nos países mais capitalistas, como os Estados Unidos. Por que Bolsonaro não vai por esse caminho?
A história mundial, de fato, prova que é o Estado que tem capacidade de salvar. É assim em momentos de recessão profunda, foi assim no pós-guerra. A União Europeia reduziu em 11% seu Produto Interno Bruto (PIB), a Espanha está com 18% do PIB diminuído, EUA mais de 30% e o Brasil vai para um aprofundamento brutal da sua recessão. Vamos sair disso como? É o setor privado que vai investir? É óbvio que não. É o Estado.
Não faz sentido mantermos a mesma linha da chamada austeridade, muito menos privatizando nossas empresas estratégicas que são fundamentais para o desenvolvimento. Petrobras, Eletrobras, mesmo o saneamento, em que já se votou projeto, não tem a menor possibilidade de pensarmos desenvolvimento sem mantermos esses instrumentos fundamentais.
Isso não é um panfleto, não é um discurso panfletário, nós vivemos com os dados nas mãos, dados reais do que significa hoje desenvolvimento energético no Brasil, o papel e a lucratividade dessas empresas.
O que é a Petrobras no Brasil e as cadeias de produção de óleo e gás, o que é a economia verde, a sustentabilidade ambiental e a necessidade dela. Como vamos funcionar para fazermos o desenvolvimento do complexo econômico da saúde?
É óbvio que se pode ter parceria público-privada, mas o investimento público é decisivo, até para atrair investimento privado em diversos setores brasileiros, a própria construção civil, investimento na área de transporte público.
Isso é gerador de empregos e nós precisamos que o Estado seja o grande coordenador, investidor e regulador desse processo. Teto de gastos não tem cabimento no mundo e muito menos no Brasil, um país com tamanha desigualdade, desemprego e com o nível de pobreza a que chegamos.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Leandro Melito e Mariana Pitasse